A morte do ator norte-americano Val Kilmer, aos 65 anos, no dia 1º de abril, trouxe novamente à tona o debate sobre os limites e a convivência entre fé e medicina.
Conhecido por atuações marcantes em filmes como Top Gun (1986) e Batman Eternamente (1995), Kilmer lutava contra um câncer na garganta desde 2015. Após sua morte, familiares atribuíram parte da responsabilidade à Igreja da Ciência Cristã, denominação religiosa da qual o ator era adepto, e que desestimula o uso de tratamentos médicos convencionais.
A família afirmou que Kilmer teria resistido a intervenções médicas mais agressivas por causa de sua fé. Para eles, a influência da igreja comprometeu as decisões relacionadas ao cuidado com a saúde do ator. A Igreja da Ciência Cristã — não relacionada à Cientologia, seguida por atores como Tom Cruise — defende que a oração e a confiança em Deus são suficientes para a cura de doenças.
Em 2017, já em meio ao tratamento, Val Kilmer declarou em entrevista que sua cura estava ligada à fé: “Estou muito grato por todas as orações e bons pensamentos de todo o mundo. As pessoas que sabem que sou um cientista cristão fazem a suposição de que de alguma forma me ameacei. Mas muitas pessoas foram curadas por oração durante toda a história. E muitas pessoas morreram por qualquer coisa que fosse a medicina moderna”, disse à época.
O caso reacendeu uma discussão recorrente em ambientes religiosos e acadêmicos: é possível abrir mão da medicina por motivos de fé? Ou seriam fé e ciência caminhos complementares no enfrentamento das doenças?
A médica Willânia Cristine Damm Lourenço, cirurgiã geral e pediátrica, defende a integração entre fé e ciência. Cristã evangélica e ativa em sua comunidade de fé, ela afirma que os conhecimentos médicos são também um dom divino. “Como seres racionais que somos, nos movemos em direção à ciência. Mas a fé intensifica a sensação de plenitude. Além disso, quando a ciência chega ao limite, a fé permanece lá, se não para complementar a cura, ao menos para trazer conforto e esperança”, afirmou em entrevista à revista Comunhão.
Ela citou Provérbios 2:6 — “Porque o Senhor é quem dá sabedoria; da sua boca procedem o conhecimento e o discernimento” — como base bíblica para sua compreensão. Segundo a médica, renunciar ao uso da medicina pode ser uma atitude equivocada. “Não usar os recursos oferecidos por Ele é uma fé cega, e não é isso que Ele deseja de nós.”
Willânia acrescentou que a dimensão emocional da fé é também relevante na saúde física. “Uma pessoa motivada, confiante, está mais próxima de um equilíbrio entre corpo e mente do que alguém desesperançado. E quanto maior esse equilíbrio, melhor a resposta imunológica corporal.”
Ela contou que costuma orar antes das cirurgias que realiza: “Oro sempre, inclusive antes das cirurgias. E como cirurgiã, vendo a anatomia e a fisiologia humana de perto, não consigo acreditar que algo tão perfeito não tenha uma mente criadora brilhante”, declarou.
O pastor Josué Ebenézer de Sousa Soares, da Comunidade Batista Atos 2, em Nova Friburgo (RJ), considera que a tensão entre fé e ciência é antiga, remontando à era pré-moderna. Segundo ele, até o século XVII a Igreja exercia grande influência sobre o saber e as instituições educacionais, o que gerava atritos com pensadores e cientistas da época.
“A fé era praticamente imposta, o que desagradava em muito os homens da ciência. Uma agravante era que o ensino e as bibliotecas estavam ligados à igreja, o que restringia e condicionava o pensar”, explicou. A partir do Iluminismo, esse cenário começou a mudar com o avanço do pensamento científico baseado na razão e na experimentação.
Para o pastor, essa ruptura histórica explica parte da desconfiança contemporânea entre fé e ciência. Ele vê, no entanto, uma tentativa atual de deslegitimar a fé: “As ideologias ateístas dominantes hoje querem erradicar a herança judaico-cristã da sociedade. Tarefa impossível, pois o que o mundo ocidental é, decorre, em grande parte, dessa tradição”, afirmou.
Ao comentar casos como o de Val Kilmer, o pastor alertou para os perigos de negligenciar o tratamento médico em nome da fé. Ele relatou o caso de uma jovem que, ao ouvir de um líder religioso que estava curada, suspendeu a medicação. Um mês depois, faleceu.
“Deus age de diversas maneiras. Ele é o criador e o dono da inteligência, que distribuiu ao ser humano exatamente para ser usada. Infelizmente, existe uma pseudoespiritualidade que procura desconstruir a medicina. Isso é um atraso. Quem segue por este caminho corre sérios riscos”, alertou.
Mesmo diante das críticas, o pastor reafirma a importância da fé no processo de cura: “A fé é fundamental para a saúde do corpo. Isto está comprovado cientificamente. A fé e a oração são auxiliares da medicina no processo de cura”. Ele conclui com a citação de Tiago 5:16: “A oração do justo pode muito em seus efeitos”.
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