Anistia encontra resistência no Congresso mesmo após intensa pressão da oposição; entenda os motivos

Por O Globo Quinta-Feira, 4 de Setembro de 2025
Após ter sido fustigado pelo clã Bolsonaro por conta da aproximação com o Centrão e dos movimentos mais claros em direção a uma candidatura nacional, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), renovou seus votos de lealdade ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ao prometer um indulto como primeiro ato na Presidência da República. Analistas ouvidos pelo GLOBO, porém, dizem que o cálculo político é arriscado e flerta com o “sonho da esquerda” de transmitir, numa eventual campanha eleitoral contra Lula (PT) em 2026, a imagem do político como extremista e conivente com golpes de Estado e interferência estrangeira.
Nesta semana, o governador decidiu ainda viajar a Brasília para articular pela anistia aos envolvidos no 8 de janeiro, o que poderia beneficiar inclusive Bolsonaro a depender da matéria analisada pelos parlamentares. Em acordo com líderes partidários como Ciro Nogueira, presidente do PP, Antônio Rueda, do União Brasil, e Marcos Pereira, do Republicanos, o político pediu para que o deputado paraibano Hugo Motta, seu colega de partido e presidente da Câmara, colocasse o assunto em votação. A leitura é de que essa mobilização acalma os ânimos da família Bolsonaro e pavimenta o caminho para Tarcísio receber o aval do ex-presidente para substituí-lo nas urnas.
— Acho que o sonho da esquerda é ter um candidato com um discurso bastante calibrado no bolsonarismo para reeditar um pouco aquela retórica de 2022 de que a esquerda era defensora da democracia e contra ela se colocam aqueles que estão contra a democracia. A ideia é colocar o Tarcísio nesse figurino de bolsonarista raiz ou de alinhado ao golpismo bolsonarista, como se fosse um preposto, um mero fantoche do Bolsonaro, a ver se de fato ele vai vestir esse figurino — afirma o cientista político Leandro Consentino, do Insper.
Pesquisa Datafolha divulgada no início de agosto mostra que 61% dos brasileiros se recusam a votar em um candidato que prometesse livrar Jair Bolsonaro, seus aliados e apoiadores presentes nos ataques do 8 de janeiro de condenações por tentativa de golpe de estado no Supremo Tribunal Federal (STF), enquanto 19% dizem que depositariam “com certeza” o voto nesse mesmo candidato. O cenário reforça o ponto de que a adoção da pauta, comprovadamente impopular, foi motivada por um cálculo político em termos de fidelizar o eleitorado mais à direita que não concorda com o andamento do julgamento de Bolsonaro e com a conduta do ministro Alexandre de Moraes, do STF.
— Ele acha que o desgaste que ele tende a sofrer com essa declaração custa menos do que o ganho que ele vai ter, digamos, ao obter a unção do Bolsonaro e do bolsonarismo como um todo. Essa é a conta que ele faz — aponta Cláudio Couto, professor da FGV.
Ainda assim, o cientista político pondera que não necessariamente essa transferência de rejeição pode chegar a patamares de 6 a cada 10 brasileiros apontada pelo Datafolha, porque a decisão do voto leva em conta uma multiplicidade de temas, e não uma única pergunta no questionário de opinião pública.
— Isso já está sendo explorado e vai ser ainda mais instrumentalizado no ano que vem. Consequentemente, acho que o custo que o Tarcísio tende a pagar na campanha não será pequeno. Mas, depende de quanto o PT vai conseguir aproveitar o discurso de que, se ele endossa o Bolsonaro, então ele pode ser associado a sanções contra o Brasil, a tentativas de golpe, a todas essas coisas que pesam contra o bolsonarismo.
Tarcísio demorou mais do que outros governadores vistos como pré-candidatos da direita para prometer esse indulto, cobrado pelo senador Flávio Bolsonaro em entrevista ao jornal “Folha de S. Paulo”. Romeu Zema (Novo), de Minas Gerais, e Ronaldo Caiado (União Brasil), de Goiás, fizeram essa promessa antes e aos quatro ventos. Por outro lado, nem de perto esses posicionamentos tiveram a mesma repercussão na esquerda e entre integrantes do governo federal do que no caso de Tarcísio, que passou a ser tratado pelo presidente Lula como adversário concreto nas eleições presidenciais do ano que vem.
A ministra Gleisi Hoffmann, de Relações Institucionais, por exemplo, chamou Tarcísio de “candidato fantoche” de Bolsonaro, emulando, curiosamente, uma narrativa que já foi aplicada a petistas como Fernando Haddad, em 2018, e Dilma Rousseff, em 2010. “Prioridade dos oponentes: indultar o ex-presidente que cometeu crimes na pandemia e acompanhou o plano de assassinar um presidente eleito e um juiz da Suprema Corte”, declarou Alexandre Padilha, ministro da Saúde. O próprio Lula, em entrevista à rádio Itatiaia, disse que “Tarcísio não seria nada sem o Bolsonaro” e que “ele vai fazer o que Bolsonaro quiser”.
— Vejo um grande temor no âmbito da candidatura do Tarcísio, no próprio Tarcísio e nos seus aliados, de ele virar um novo João Doria (ex-governador de São Paulo), quer dizer, alguém que já é indisposto com a esquerda, que perde o apoio da direita e acaba espremido, ensanduichado entre os dois e sem qualquer tipo de viabilidade eleitoral — aponta Consentino, sobre a decisão de se posicionar neste momento. — No governo ele exibe esse perfil mais moderado, mas toda vez que ele usa a retórica de candidatura, a gente vê ressurgir o Tarcísio leal ao Bolsonaro nas manifestações. Então esse é o grande desafio, porque quando chegar numa candidatura presidencial, os dois personagens serão um só e aí ele vai ter que exibir qual é o que prevalece.
A desqualificação como “fantoche”, analisa Couto, dizem mais sobre a relevância dos padrinhos políticos, para o bem ou para o mal, do que sobre os candidatos:
— Nos dois casos (Haddad e Tarcísio), acho que eram candidatos com vida própria e capacidade. Só que estão pagando um tributo pela vinculação que têm com o seu mentor. Tem até aquela foto famosa, que o Haddad aparece por trás de uma máscara do Lula, assim, olhando meio de esgueio. E no caso do Tarcísio, por toda essa lealdade canina que ele vem demonstrando ao Bolsonaro até agora. Mesmo ele tendo sido mais discreto antes, do ponto de vista de anunciar a posição a favor do indulto, as últimas declarações são muito fortes. Ele, de qualquer maneira, já subiu em caminhão na Paulista.