A arquibancada mudou ligeiramente de desenho. Corinthians e São Paulo recuaram além da margem de erro, e o Flamengo, mesmo mantendo números estáveis, abriu ainda mais vantagem como dono da maior torcida do Brasil. É com essa conclusão em meio a esse clássico dos gigantes que O GLOBO dá o pontapé inicial na publicação da maior pesquisa sobre torcidas da história do país — e não só sobre quantidade. Ao longo das próximas semanas, nas comemorações dos seus 100 anos, o jornal vai explorar o perfil completo do torcedor brasileiro: o grau de fanatismo, o engajamento com o clube, o relacionamento com a seleção e até as simpatias por times estrangeiros.
O jogo começa com a pergunta mais simples e popular do futebol: “Você torce ou tem simpatia por qual time brasileiro? E por mais algum?”. Essa foi a primeira questão feita pelo Ipsos-Ipec a 2.000 brasileiros com mais de 16 anos, entrevistados presencialmente entre os dias 5 e 9 de junho, em 132 municípios de todas as regiões do país. A metodologia desta pergunta foi a mesma adotada em parceria com O GLOBO na pesquisa de 2022, e permitia ao entrevistado citar espontaneamente até dois clubes. Caso indicasse um coração “dividido”, ambas as paixões foram contabilizadas.
Contabilizados os números, é possível afirmar: o Flamengo não apenas manteve sua posição, como consolidou sua liderança. Embora tenha oscilado levemente para baixo — de 21,8% para 21,2%, variação dentro da margem de erro de 1,8% —, a estabilidade rubro-negra contrasta com a queda significativa dos adversários diretos.
A queda mais acentuada foi a do Corinthians, que despencou de 15,5% para 11,9% — recuo de 3,6 pontos, mais que o dobro da margem de erro do clube (1,4%). Já o São Paulo caiu de 8,2% para 6,4%, uma variação de 1,8 ponto percentual, também acima de sua margem de erro (1,1%). O tricolor paulista agora aparece em quarto lugar, ultrapassado numericamente pelo Palmeiras, que teve uma oscilação negativa de 7,4% para 6,5%, mas ainda dentro do intervalo tolerado pelo levantamento. Os rivais estão empatados tecnicamente em terceiro.
A pesquisa traz ainda um diferencial que aumenta a precisão da leitura: pela segunda vez, o Ipsos-Ipec calculou margens de erro específicas para cada clube, de acordo com o tamanho da torcida. Ou seja, quanto maior a torcida, maior o intervalo de variação permitido. Esse cuidado é uma exclusividade entre os levantamentos desse tipo no Brasil.
O encolhimento das grandes torcidas (as sete maiores oscilaram negativamente) tem uma razão no jogo: o crescimento expressivo da parcela de brasileiros que dizem não torcer para nenhum clube. Um fenômeno que pode refletir o afastamento do torcedor mais ocasional ou desiludido. Ainda assim, entre os gigantes, só corintianos e são-paulinos apresentaram quedas estatisticamente relevantes.
— A nova geração tende a não aceitar mais modelos políticos e de gestão como são os desses clubes. No São Paulo, um presidente é eleito por pouco mais de 100 votos, percentual absolutamente irrisório diante do universo de torcedores. Enquanto o mundo se moderniza, o São Paulo tem a cara do retrocesso, é o “tiozão do zap” — opina Alexandre Lozetti, comentarista do Grupo Globo que cobriu o São Paulo em boa parte da carreira. — Isso se reflete em times fragilizados. Flamengo e Palmeiras cresceram a partir de novos modelos financeiros, de gestões mais profissionais. Não é só ganhar ou perder títulos, mas a forma como se chega a eles. Administrações como as de São Paulo e Corinthians são repelentes.
A vantagem do Flamengo sobre o Corinthians, que era de 6,3 pontos em 2022, agora é de 9,3. E a dupla paulista, que somava 23,7% da preferência nacional, caiu para 18,3% — um número que, sozinho, já é inferior ao total da torcida rubro-negra, de 21,2%.
— Até paciência de corintiano tem limite. A fase influencia, sem dúvida. Creio que um outro e importante fator de concorrência pelo interesse do torcedor, hoje, principalmente entre as gerações mais jovens, seja o futebol internacional e particularmente os clubes internacionais — opina Celso Unzelte, jornalista, pesquisador esportivo e professor universitário.
Depois do G-4, o cenário vira um verdadeiro clássico de meio de tabela, com empates técnicos entre vários clubes. O Vasco, por exemplo, aparece em quinto, e mesmo que provavelmente esteja à frente de torcidas como as de Grêmio, Cruzeiro, Atlético-MG, Bahia e Santos, tecnicamente está empatado dentro da margem de erro.
No bloco de baixo, o Fluminense continua figurando entre as torcidas mais discretas entre os clubes mais tradicionais. Em 14º lugar na pesquisa, com menos de 1% das citações, o clube pode variar estatisticamente entre 1,3% e 0,5%. Com isso, está fora do top-10 das maiores torcidas. Mas, pela margem de erro, está tecnicamente empatado com Botafogo ou Internacional (11º e 12º lugares) em um dos limites, e com Athletico e Remo no outro.
Este é só o apito inicial. A pesquisa começa com o tamanho das torcidas, mas ainda vai muito além: nos próximos capítulos, entra em campo o torcedor — com seus hábitos, manias, níveis de paixão e até suas traições. Porque no Brasil, o futebol não se mede só por gols e taças, mas por tudo que cabe entre o primeiro grito e o último suspiro da arquibancada.
A pesquisa foi realizada pela Ipsos-Ipec entre 5 e 9 de junho de 2025. Foram entrevistadas 2000 pessoas com 16 anos ou mais em 132 municípios brasileiros. Com nível de confiança de 95%, a margem de erro estimada para o total da amostra é de 2,2 pontos percentuais. Em alguns recortes, a soma pode ser maior que 100% porque foram considerados dois times como preferência.
« Voltar