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Trump une empresários brasileiros e americanos contra tarifaço de 50%

Por O Globo    Quarta-Feira, 16 de Julho de 2025


Na primeira reunião entre ministros, empresários e representantes da indústria e do agronegócio para mapear os impactos do tarifaço de 50% anunciado por Donald Trump a partir de 1º de agosto, o setor produtivo teve um ponto de consenso: a defesa da negociação. O empresariado defende que o governo esgote as possibilidades de diálogo com o governo americano antes de se cogitar qualquer hipótese de retaliação.

O mesmo tom consta em nota divulgada ontem pela Câmara de Comércio dos EUA e a Câmara Americana de Comércio (AmCham Brasil). As entidades pedem que os dois países iniciem “negociações de alto nível” e alertam que a imposição de sobretaxa como resposta a tensões políticas “corre o risco de causar danos reais a uma das relações econômicas mais importantes dos EUA e estabelece um precedente preocupante”.

A nota lembra ainda que mais de 6.500 pequenas empresas nos EUA dependem de produtos importados do Brasil, enquanto 3.900 empresas americanas investem no país.

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Trump: Fiz ‘porque posso’

 

Apesar dos apelos por negociação e argumentos inclusive de empresas americanas, ao ser indagado ontem sobre a tarifa de 50% para o Brasil, Trump afirmou:

— (Fiz) porque eu posso fazer isso. Ninguém mais conseguiria.

Em Brasília, o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin, se reuniu com 37 lideranças industriais, como máquinas e equipamentos, alumínio, têxtil, aviação, calçados, entre outros, pela manhã e com 19 do agronegócio (carne, frutas, pescados) no período da tarde.

Também participaram do encontro o ministro da Casa Civil, Rui Costa, da Fazenda, Fernando Haddad, do Planejamento, Simone Tebet, e de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho.

O governo não se comprometeu em tentar um patamar específico de alíquota. O recado foi claro de que os 50% estão postos e que o governo tentará negociar. Os empresários saíram aliviados com a promessa do governo de que não usará a palavra retaliação antes de 1º de agosto para não fechar as portas da diplomacia.

A indústria deixou claro que não é possível substituir o mercado americano no curto prazo e que construir um mercado alternativo seria um processo de muitos anos. O setor privado indicou que alguns caminhos para levar aos americanos são acordos na área de etanol e de bitributação, que podem interessá-los.

 

“Houve uma colocação aqui de que o prazo é exíguo, mas a ideia do governo não é pedir que o prazo seja estendido, mas procurar resolver até o dia 31. O governo vai trabalhar para resolver e avançar nos próximos dias”, Geraldo Alckmin, vice-presidente.

 

Uma das propostas defendidas pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), por federações industriais e parte do agronegócio foi o pedido de um prazo de 90 dias para que as tarifas entrassem em vigor, caso não seja possível chegar a um acordo até 1º de agosto.

— Estamos falando aqui só de perde-perde. Não tem ganha-ganha. Perde a indústria, perde a economia, perde o social. Gostaríamos de colocar na mesa um adiamento de 90 dias no prazo para início da vigência (da tarifa) — pontuou Ricardo Alban, presidente da CNI, que vê risco de perda de 110 mil postos de trabalho caso o tarifaço entre em vigor.

Alban destacou que o país não deve tomar medidas “intempestivas”.

— O Brasil não pretende ser reativo intempestivamente, o que entendemos aqui é que o Brasil não vai se precipitar para retaliar com ações econômicas — afirmou.

 Alckmin diz que ideia do governo é não pedir mais prazo para tarifaço de Trump — Foto: Brenno Carvalho / Agência O Globo
Alckmin diz que ideia do governo é não pedir mais prazo para tarifaço de Trump — Foto: Brenno Carvalho / Agência O Globo

Após a reunião com a indústria, Alckmin afirmou que o objetivo do governo é resolver a questão o mais rápido possível e disse que se houver necessidade de mais prazo seria possível trabalhar nesse sentido. No fim da tarde, porém, reiterou que a posição do governo é pela solução definitiva o mais rápido possível.

— Houve uma colocação aqui de que o prazo é exíguo, mas a ideia do governo não é pedir que o prazo seja estendido, mas procurar resolver até o dia 31. O governo vai trabalhar para resolver e avançar nos próximos dias — disse o vice-presidente.

Outras estratégias discutidas durante o encontro incluem o envio de uma nova carta aos EUA, cobrando resposta a uma correspondência enviada em maio.

Com a articulação com o empresariado, Alckmin explicou que foi acertado que as empresas vão procurar companhias americanas com quem fazem negócios, como fornecedores, compradores, exportadores e executivos.

 

Economia se sobrepõe

 

O presidente da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), Josué Gomes da Silva, ressaltou que os EUA também perdem com as tarifas:

— Temos absoluta confiança que os mais de 200 anos de boa relações diplomáticas e comerciais não vão se romper dessa maneira, pelo contrário, vamos chegar a um entendimento.

Na conversa com empresários, Alckmin salientou que é preciso “separar questões de natureza jurídica” ao discutir as relações do Brasil ao tarifaço. Na carta em que anunciou a sobretaxa, Trump justificou a medida citando o tratamento dado pelo Judiciário ao ex-presidente Jair Bolsonaro.

— Primeiramente, separar questões de natureza jurídica, como diz Montesquieu (filósofo francês), a separação dos Poderes é pedra fundamental do Estado de direito, o governo não tem ação sobre outro Poder. E em relação à questão das tarifas, trabalharmos para revertê-las. Elas são absolutamente inadequadas — destacou Alckmin.

Na avaliação de empresários presentes ao encontro, o impacto para as exportações do tarifaço é de tal magnitude que não há espaço para o debate em torno dos aspectos políticos. Fernando Pimentel, diretor-superintendente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), afirmou que o aspecto político sequer chegou a ser discutido e que o debate foi centrado na busca de canais com o governo americano.

— Ficou decidido que é preciso mostrar que não faz sentido o Brasil ter a maior taxa sobre seus produtos vendidos nos EUA. Outra recomendação consensual na reunião é ‘evitar falatório’ e buscar pontos de convergência entre os dois países, sempre com foco no comercial, usando a frieza da diplomacia — disse ele.

A Embraer, uma das empresas mais afetadas pela medida, que pode ver o custo de fabricação de aviões subir em R$ 50 milhões por unidade, também defendeu o foco no debate econômico. O presidente da empresa, Francico Gomes Neto, afirmou que a questão econômica se sobrepõe à questão política.

Apesar dos consensos, empresários manifestaram em conversas preocupação com a possibilidade de tarifas por setor. Temem que os segmentos considerados menos prioritários acabem pagando a conta. Além disso, há segmentos para os quais retornar a uma tarifa de 10% já seria uma vitória, para outras, já é considerado inviável no longo prazo.

 

Reunião em São Paulo

 

Em São Paulo, onde o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) se reuniu com empresários para discutir medidas para reverter o tarifaço, o empresário Paulo Skaf, ex-presidente da Fiesp, disse que o clima “foi de diálogo construtivo”.

Da reunião no Palácio dos Bandeirantes, participou Gabriel Escobar, encarregado de negócios da Embaixada dos EUA no Brasil, além de um grupo de 20 empresários de diversos setores estratégicos da economia, como aviação, suco de laranja, café, máquinas, madeira, setor sucroalcooleiro.

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