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STF mira desvios para campanha eleitoral e amplia ofensiva sobre fraudes em emendas

Por O Globo    Quarta-Feira, 9 de Julho de 2025


O Supremo Tribunal Federal (STF) deu ontem mais um passo nas investigações sobre supostos desvios de emendas parlamentares ao conectar as indicações de verbas a um esquema que abasteceria o caixa dois de campanhas eleitorais. Uma decisão do ministro Gilmar Mendes determinou o cumprimento de mandados de busca e apreensão no gabinete do deputado Júnior Mano (PSB-CE) na Câmara, no imóvel funcional usado por ele, em Brasília, e na sua residência, em Fortaleza. A ação aumenta a tensão entre Judiciário e Legislativo, que tem como pano de fundo as apurações em curso sobre o mau uso desse tipo de recurso. Os cerca de 80 inquéritos e procedimentos em andamento tramitam sob sigilo, distribuídos entre os nove ministros da Corte.

De acordo com as investigações do caso revelado ontem, emendas indicadas pelo deputado a cidades comandadas por aliados abasteceram licitações fraudulentas. A verba recebida pelos empresários vencedores, por sua vez, teria sido usada em campanhas eleitorais de políticos apoiados por Mano que concorreram a prefeituras do interior do Ceará em 2024.

Além de valores destinados pelo deputado do PSB, a apuração cita a negociação, feita por terceiros, de emendas do atual líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE). Ele nega envolvimento no caso e não foi alvo da PF. Também são mencionadas emendas indicadas pelos deputados Eunício Oliveira (MDB-CE) e Yuri do Paredão (MDB-CE), que também não foram alvo da operação.

 

Papel central

 

A descoberta sobre o caminho das emendas até campanhas eleitorais abre uma nova frente nas apurações que são tocadas pela Polícia Federal e pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e que correm no STF em função do foro privilegiado de parte dos investigados. Segundo a PF, o deputado “exercia papel central na manipulação dos pleitos eleitorais, tanto por meio da compra de votos, quanto pelo direcionamento de recursos públicos desviados de empresas controladas pelo grupo criminoso”. A investigação, que está sob sigilo, apura crimes de organização criminosa, lavagem de dinheiro, compra de votos e falsidade ideológica para fins eleitorais. Em nota, o parlamentar negou qualquer irregularidade e afirmou que a “sua correção de conduta” será “reconhecida” ao fim da investigação.

Mano foi o segundo deputado federal mais votado do Ceará em 2022, pelo PL. Foi expulso do partido por ter apoiado o candidato do PT à prefeitura de Fortaleza. A cidade que mais recebeu emenda do deputado desde 2021 foi Nova Russas, comandada por sua mulher, Giordanna Mano, que não foi alvo da operação.

A apuração aponta que o grupo criminoso exigia uma taxa de retorno de até 12% para que prefeituras recebessem os recursos. A investigação teve início a partir de uma denúncia de uma ex-prefeita de Canindé, feita durante a campanha eleitoral do ano passado. Em depoimento ao Ministério Público, ela afirmou que havia um esquema de compra de votos na cidade, com tentativa de aliciar um aliado.

Na decisão, Gilmar Mendes autorizou a abertura de uma investigação específica para apurar, de forma aprofundada, a destinação e execução ilícitas de emendas. A expectativa de integrantes do Supremo é que a PGR apresente manifestações em novas frentes ainda neste segundo semestre.

Segundo a PF, o esquema do Ceará era operado por Carlos Alberto Queiroz, conhecido como Bebeto, que foi eleito prefeito de Choró no ano passado, mas não tomou posse por decisão da Justiça Eleitoral.

Em mensagens obtidas pelos investigadores, Bebeto e interlocutores ligados a Júnior Mano tratam da destinação de emendas a prefeituras previamente selecionadas, mediante pagamento de propina. O percentual era tratado nos diálogos como “pedágio” ou “imposto”, numa prática descrita pela PF como “institucionalizada de corrupção”.

Procurado para falar sobre as buscas ontem na Câmara, o presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), não se manifestou. No gabinete de Júnior Mano, a operação durou cerca de seis horas, e contou com a participação de sete policiais federais, acompanhados por agentes da Polícia Legislativa. Ao deixarem o local, os agentes deixaram para trás uma maçaneta quebrada e saíram carregando duas pastas com documentos e uma mochila.

Outras investigações atingindo parlamentares já foram tornadas públicas. Em fevereiro deste ano, emendas indicadas pelo deputado federal Afonso Motta (PDT-RS) entraram na mira da Polícia Federal. O deputado demitiu seu chefe de gabinete, alvo da investigação, cinco dias depois.

No primeiro caso analisado pelo STF, ministros receberam, em março, a denúncia apresentada pela PGR contra Josimar Maranhãozinho (MA) , Pastor Gil (MA) e o suplente Bosco Costa (SE), deputados do PL acusados de “comercialização” de emendas parlamentares. Os deputados viraram réus sob a acusação de corrupção passiva e organização criminosa. Em abril, investigação provocou a queda de um ministro do governo Luiz Inácio Lula da Silva. A PGR denunciou o deputado Juscelino Filho (União-MA), que estava à frente das Comunicações, por suspeita de desvio de emendas parlamentares em um mandato anterior como deputado.

 

Clima de preocupação

 

Parte das investigações que estão no Supremo teve origem a partir de relatórios da Controladoria-Geral da União (CGU) e de cruzamentos de dados, que apontaram destinação concentrada de emendas a prefeituras ligadas a parlamentares — muitas vezes sem critérios técnicos e com indícios de favorecimento pessoal ou político. A suspeita é que parte dos recursos tenha sido empregada em contratos superfaturados ou desviada por meio de empresas de fachada.

O cerco judicial sobre o tema preocupa lideranças no Congresso, especialmente diante da possibilidade de medidas cautelares contra parlamentares, como quebras de sigilo ou buscas autorizadas pelo STF. Essas apurações também são parte do mal-estar entre os Poderes que teve diversos capítulos nesse ano. Reservadamente, ministros da Corte avaliam que a tensão recente entre o Judiciário, o Congresso e o Executivo têm como pano de fundo o avanço das apurações.

Em nota, José Guimarães afirmou não ter enviado emendas para os municípios que são mencionados como alvo dos desvios. “Reafirmo o fato de que não destinei emendas parlamentares à localidade de Choró (CE). Inclusive, nas eleições municipais mais recentes, disputamos contra o atual prefeito, tendo nosso candidato do PT sido derrotado nas urnas”, disse. Em relação a Canindé (CE), outra cidade citada, o deputado afirmou que “uma simples consulta ao Siafi comprova” que não destinou emenda entre 2024 e 2025.

A assessoria de Eunício Oliveira, por sua vez, afirmou que o parlamentar “destina emendas para obras em dezenas de municípios cearenses, de forma transparente e de acordo com a legislação” , e informou que a emenda para Canindé só foi indicada em maio. Segundo a assessoria, o deputado já pediu ao ministro da Saúde, Alexandre Padilha, a suspensão da transferência.

Yuri do Paredão disse que “o fato de todos os recursos estarem disponíveis no Portal da Transferência da Câmara demonstra a seriedade e a responsabilidade com que o deputado Yury conduz suas ações”.

 

Emendas no foco de investigações

 

Três deputados do PL

A Primeira Turma do STF tornou réus os deputados Josimar Maranhãozinho (MA) e Pastor Gil (MA), e o suplente Bosco Costa (SE), por suspeita de “comercialização” de emendas. Segundo a acusação, os três solicitaram a um prefeito “vantagem indevida” de R$ 1,6 milhão em troca da indicação de R$ 6,6 milhões em emendas. Os três negam.

Juscelino Filho

Deixou o Ministério das Comunicações e reassumiu o mandato de deputado pelo União Brasil após ser denunciado pela PGR por desvio de emendas. Ele nega. O caso é relativo à pavimentação de ruas de Vitorino Freire (MA), que era comandada por sua irmã. Ela chegou a ser afastada do cargo, mas retomou o mandato após decisão do Supremo.

Félix Mendonça

O deputado do PDT teve o sigilo telefônico quebrado em operação que mirou dois prefeitos da Bahia e um assessor do parlamentar, suspeito de atuar como operador financeiro do esquema. Segundo a PF, ele são suspeitos de atuar na liberação de emendas que somam R$ 4,6 milhões mediante o pagamento de propina. Eles negam irregularidades.

Afonso Motta

Um servidor do governo do Rio Grande do Sul ficava, segundo a PF, com uma “comissão” de 6% das verbas indicadas pelo deputado do PDT para um hospital em Santa Cruz do Sul. Segundo a PF, esse tipo de arranjo, formalizado até mesmo em contratos, configura “vantagem indevida”, ou seja, corrupção. O deputado não foi alvo da PF

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