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Ainda sou mãe: a história de mulheres que aprenderam a viver com a dor de perder seus filhos

Por JOANA ROSA - Jornal da Paraíba    Domingo, 13 de Maio de 2018


“Há palavras como viúvo ou viúva que designam aquele que sobrevive ao seu conjugue. Há palavras como órfão para nomear a perda precoce de um dos pais. Mas para quem sobreviveu a um filho, não existe denominação alguma.” É desta forma que Hipernestre Carneiro, Evanice Barbosa, Ana Paula Ramalho e Thereza Cristina se sentem, sem um um nome para descrever a dor de perder um filho.

São quatro mães com histórias diferentes, mas com dores iguais: passar o dia das mães sem seus filhos. Cemitério e igreja são os locais frequentados por elas durante o segundo domingo de maio. Elas vivem na dor da lembrança.

“Quando colocamos um filho no mundo, sonhamos em tê-lo sempre por perto, ao alcance da nossa proteção. Mas a vida vem, né?” – Evanice Barbosa

 

Jéssica Barbosa, 18 anos. Foto: Arquivo Pessoal.

O segundo domingo de maio de 2010, dia 9, foi marcado na vida de Evanice Barbosa. Após um barulho ensurdecedor, ela teve a confirmação da morte de sua filha de 18 anos, Jéssica Barbosa, e seu neto de quatro anos, Luís Gustavo (sobrinho de Jéssica). “Até hoje fica essa sequela na nossa vida”, afirma.

Era fim de tarde quando Jéssica voltava com sua família do município de Arara. Evanice foi com sua família passar o dia na casa de sua mãe, avó de Jéssica. O carro estava nas proximidades do povoado denominado Chã de Dentro quando foi atingido por uma ambulância da Prefeitura Municipal de Areia, capotando em uma distância de dez metros da pista. A criança foi arremessada para fora do carro, enquanto Jéssica morreu presas às ferragens.

Segundo Evanice, no dia do acidente, o motorista da ambulância tinha saído do plantão e foi para casa. Mais tarde, ele teria sido chamado para socorrer um rapaz que tinha sofrido um acidente de moto na cidade de Areia. “No momento do acidente soubemos que ele já tinha ingerido bebida alcoólica. Só não ficou confirmado porque ele fugiu do local”, afirma. “Ele foi socorrer uma vítima com raiva, porque já tinha saído do plantão e, infelizmente, no caminho ele nos encontrou. Ele acabou com a nossa vida e ainda deixou o rapaz entre a vida e a morte dentro da ambulância. Graças a Deus, ele sobreviveu”, conclui.

Evanice Barbosa (mãe de Jéssica). Foto: Arquivo Pessoal.

Para Evanice, o dia das mães dói a cada ano que passa, devido à impunidade. O motorista da ambulância acusado de provocar o acidente cumpriu pena com prestação de serviço e pagamento de dois salários mínimos para a Justiça. “Hoje ele está livre e solto para fazer novas vítimas”, diz.

Oito anos após o acidente, Evanice ainda sente o impacto, não do choque do carro com a ambulância, mas da falta que a filha e o neto fazem durante o dia das mães.

A dor de perder um filho devido à imprudência no trânsito também é compartilhada por
Ana Paula Ramalho. A escritora paraibana perdeu seu filho Matheus, de 16 anos, em um acidente de carro no dia 6 de maio de 2007.

“O dia das mães é um mergulho no mundo das lembranças.” – Ana Paula Ramalho

 

Matheus Ramalho, 16 anos. Foto: Arquivo Pessoal.

Ana Paula estava a dois quarteirões do local do acidente. Foi no cruzamento das avenidas Epitácio Pessoa e Amazonas que a vida de Matheus Ramalho chegou ao fim. “Eu escutei um barulho muito alto, logo pensei: ‘foi um transformador’. Antes do telefone tocar, avisei para todos pegarmos velas que ia faltar luz”, diz. Foi com o toque do telefone que Ana Paula percebeu que não teria sido energia e sim alguma coisa com seus dois filhos e marido, que tinham saído de carro.

“Quando eu cheguei eu não imaginava nunca ver aquela cena, os corpos do meu marido e cunhado lançados no asfalto, meu filho mais velho preso nas ferragens do carro. Foi nesse momento em que procurei Matheus”, afirma.

“Cadê Matheus?”, a pergunta foi respondida só na manhã da segunda-feira, 7 de maio, quando Ana Paula ficou sabendo da morte do seu filho. “Eu queia abraçá-lo e passar minha energia, meu espírito para que ele levantasse daquele caixão. É muito difícil, sabe? A gente não consegue aceitar. Conseguimos só viver com essa dor”, afirma.

Ana Paula e Matheus (ainda bebê). Foto: Arquivo Pessoal.

Segundo Ana Paula, os dias têm sido todos iguais. “Os onze anos sem Matheus são onze anos de lágrimas e dor”, diz. Após a morte do filho mais novo, o que alivia um pouco a sua dor no dia das mães é a presença dos outros dois filhos. “Não tem substituição, mas eu recebo muito amor, carinho e atenção. Isso alegra o meu coração”, revela.

Para a escritora, no dia das mães o seu carinho e compaixão são encaminhados para as mães que perderam seus filhos únicos. “Elas não têm mais com quem comemorar. São bem mais fortes que eu. Seja qual for a forma que um filho parte antes da mãe, é uma ferida que não conseguimos estancar o sangramento”, conclui.

Diferente de Ana Paula, Thereza Cristina não encontra forças para levantar a cabeça e seguir em frente durante o dia das mães. Apesar de ter outro filho mais novo, Samuel.

“Não existe dia das mães para mim. Todo ano quando chega essa data eu não tenho mais o que comemorar.” – Thereza Cristina

 

Rebeca Cristina, 15 anos. Foto: Arquivo Pessoal.

Mãe de Rebeca Cristina, assassinada com 15 anos no dia 11 de julho de 2011, Thereza até os hoje luta para superar a dor. “Disseram para mim que com o tempo passava. Mentiram. Nunca passou”, diz.

Rebeca desapareceu no trajeto entre sua casa e o Colégio da Polícia Militar, em Mangabeira VIII. Seu corpo foi encontrado no mesmo dia, com marcas de abuso sexual e um tiro na nuca, às margens da PB-008, na Mata de Jacarapé, Litoral Sul paraibano. “O crime aconteceu no mês em que há na minha família uma sequência de aniversários: no dia 8 de julho é o meu aniversário; o dia da morte da minha filha foi justamente no aniversário da minha mãe, Tereza Gomes; 15 de julho é o aniversário de Fabiano, o namorado de Rebeca na época, e também é o aniversário do meu
filho Samuel”, afirma.

Cerca de cinco dias após o crime, saíram laudos dos exames que comprovaram que Rebeca Cristina tinha sido vítima de estupro. Os vestígios encontrados em suas unhas mostravam sinais de resistência. Durante as investigações, 50 homens forneceram material genético para comparar com o perfil genético encontrado no corpo da jovem e todos foram excluídos. Atualmente, o padrasto da jovem está preso como suspeito de ser o mentor intelectual do crime.

“Com tudo isso que aconteceu, quando chega o dia das mães, em vez de comemorar com ela, eu vou ao cemitério levar flores, fazer uma visita e conversar. Sei que ela não está ouvindo mais as minhas palavras”, afirma Thereza. “O dia das mães passa despercebido para mim”, conclui.

Thereza Cristina (mãe de Rebeca). Foto: Francisco França.

Thereza ainda lembra dos beijos que Rebeca lhe dava ao acordar. “Isso era o meu melhor presente, mas me tiraram”, diz. “Quando mais passa o tempo, mais a dor aumenta, a saudade dói e assim por diante. Tenho certeza que essa dor só passa no dia em que eu partir desse mundo”, afirma.

De acordo com o “Mapa da Violência 2015 – Homicídios de Mulheres no Brasil”, durante os anos de 2003 e 2013, a Paraíba registrou um crescimento de 260% de homicídios contra as mulheres. O destaque foi para João Pessoa, sendo classificada como a terceira capital brasileira com a maior taxa de homicídios de mulheres. Foram registrados 10,5 mortes para cada 100 mil habitantes.

Igual a Rebeca, a filha de Hipernestre Carneiro, Aryane Thais, entrou para o índice no Estado paraibano no dia 15 de abril de 2010.

“Eu sempre usei o termo do luto à luta. Até três meses da morte da minha filha a minha intenção era morrer.” – Hipernestre Carneiro

 

Aryane Thais, 21 anos. Foto: Arquivo Pessoal.

O corpo de Aryane Thais foi encontrado às margens da BR-230. Sua morte teria sido motivada por uma gravidez indesejada. “Eu estava de plantão em uma cidade de Pernambuco quando o meu genro me ligou e disse que Aryane tinha sofrido um acidente e estava no Hospital de Trauma precisando de ajuda. Ele pediu que eu voltasse para casa, desligasse meu celular e não atendesse a ligação de ninguém”, diz.

Na noite anterior, Hipernestre teve uma crise de ansiedade. “Eu chorava muito, fiquei sem entender o que aconteceu comigo, fui para o hospital às 20h30. Foi justamente o momento em que minha filha estava caindo na mão do seu algoz”, afirma.

Foi na hora que Hipernestre chegou na residência de Thalita, sua filha mais velha, que ficou sabendo o que tinha acontecido com Aryane. “Mainha, Thaisinha não morreu no Trauma, ela foi morta” foram as palavras de Thalita para sua mãe ao contar o que teria acontecido verdadeiramente com sua irmã. “Desse momento em diante o meu mundo desmoronou e, de lá para cá, não tem sido fácil. Eu vegeto, vivo de momento”, diz Hipernestre.

Hipernestre Carneiro (mãe de Aryane). Foto: Rizemberg Felipe.

Aryane teria sido assassinada por engravidar do namorado e não aceitar realizar o aborto. “Ela foi morta por ter se apaixonado”, declarou a mãe. Após a morte de sua filha, Hipernestre sentiu dificuldade durante o período de aceitação do luto. “Minha filha mais velha me levou para uma psicóloga quando eu estava de luto. Chegando lá, eu disse: você é tão jovem, você é mãe? Ela me respondeu: não, mas sou casada. Eu disse: pois não sei o que estou fazendo aqui, porque você nunca sentiu a dor de parir, imagina a dor de perder um filho, você não tem que me ajudar em nada”, revelou.

“Como seria a vida da minha filha como mãe? Por que minha filha não teve o direito de ter seu filho? Por que não tive o direito de ser avó do filho dela?”. Essas perguntas maltratam a mente de Hipernestre há oito anos. A sua visão do dia das mães é igual a de todas as datas comemorativas sem a filha: cheia de dor.

Foi um caso da morte de uma jovem em São Paulo que deu forças para Hipernestre seguir em frente e transformar a sua dor em luta por justiça. “Foi o momento em que abri os olhos e vi que alguém tinha que fazer alguma coisa e essa pessoa teria que ser eu”, afirma.

Através do Grupo Mães na Dor, Hipernestre conseguiu reunir mães que sofrem da dor de perder um filho e levantar a bandeira pela luta por Justiça. Ela transforma sua dor em solidariedade.

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