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Casamentos caem; sobem uniões entre mulheres

Por O Globo    Sexta-Feira, 16 de Maio de 2025


Enquanto o número de casamentos está em curva de queda no Brasil, as uniões homoafetivas crescem. Mais especificamente os casamentos entre mulheres. Em 2023, a quantidade de mulheres que casaram com outras foi 6% maior do que em 2022, a única categoria que foge à regra da diminuição dos matrimônios. Os casamentos totais diminuíram 3%, e os entre homens reduziram 5%, mostra o IBGE na pesquisa Estatísticas do Registro Civil 2023, divulgada nesta sexta-feira.

Considerando homens e mulheres, houve 11.198 casamentos homoafetivos em 2023, um aumento de 1,6% em relação a 2022, e o maior da série histórica. Desde 2013, quando o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou uma resolução que obrigava os cartórios a realizar casamentos entre pessoas do mesmo sexo em todo o país, seguindo a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), o número dessas uniões vem crescendo no Brasil. Segundo especialistas, a validação institucional da união homoafetiva ajudou a tirar da invisibilidade diversos relacionamentos.

A quantidade de casamentos entre mulheres já era maior do que a de homens em 2013, mas os números eram muito semelhantes. Ano a ano, a discrepância vem aumentando, até que em 2023 foi 68% maior: 4.175 uniões entre homens e 7.023 entre mulheres.

 

Os casamentos homoafetivos acontecem, em média, com noivos mais velhos do que no caso dos heteronormativos. De acordo com os dados, em 2023, homens que se casaram com homens tinham 34,7 anos em média. No caso das mulheres homossexuais a idade média foi de 32,7. Nas uniões de sexos opostos, as mulheres tinham 29,2 anos em média, e os homens 31,5.

 

Quatro a cada cinco casamentos homoafetivos são de mulheres, conta cerimonialista

 

Livia Delgado, diretora da Yellow Umbrella Assessoria e Cerimonial de casamentos, conta que houve um boom após a pandemia na procura por casamentos homoafetivos, em especial de mulheres. Segundo ela, a cada cinco casamentos homoafetivos que sua empresa realiza, quatro são de mulheres.

— Os relacionamentos sáficos (entre mulheres) tem um arco de desenvolvimento naturalmente mais rápido. Mulheres se unem mais rápido, vão morar juntas mais rápido e casam mais rápido. A gente só não vê casamentos de mulheres todo dia ou por falta de dinheiro ou por falta de liberdade - afirma Livia, destacando a animação dos eventos. — As mulheres, mesmo que sem saber, sempre foram motivadas a formar uma família, ter um casamento, uma festa. Eu acredito que isso acaba refletindo.

A dinâmica de que mulheres lésbicas se apaixonam rapidamente e querem casar logo é repetida muitas vezes como um senso-comum, às vezes até com bom-humor entre essas comunidades. Grazielle Tagliamento, professora de Psicologia, Gêneros e Sexualidades do Centro Universitário UniDomBosco, explica que a "piada" é real, e faz sentido diante do preconceito e dos estigmas sociais de gêneros.

— É verdade, acontece muito (de se uniram mais rápido), muitos estudos apontam isso. Por conta de toda a lesbofobia que as mulheres que se relacionam com outras mulheres sofrem ao longo das suas vidas, inclusive dentro da família, a solidão aparece muito. E faz com que muitas, em busca de uma segurança emocional e social, encontra na outra mulher a possibilidade de um lugar seguro — explica a especialista, que destaca o resultado de que oito a cada 10 lésbicas sofreram preconceito, segundo o Lesbocenso Nacional.

Além disso, o próprio machismo pode ajudar a explicar o número menor de casamentos entre homens, diz Grazielle.

— Quando a gente pensa no relacionamento entre homens, a gente tem que considerar as normas de masculinidade hegemônicas, do que é ser um homem e o quanto os homens são socializados dentro dessa perspectiva que desencoraja, que proíbe, a expressão emocional, o comprometimento em relacionamentos amorosos. E os homens gays não estão imunes a isso. Isso pode resultar em menos casamentos e menos relações duradouras, enquanto nós mulheres somos socializadas muito mais para o casamento e para o compromisso afetivo.

Samuel Silva, demógrafo e coordenador de pesquisas do Instituto Matizes, pesquisou sobre desenvolvimento da identidade sexual e o risco de depressão em sua premiada tese do doutorado. Ele explica que, apesar de homens se entenderem como gays ou bissexuais mais cedo que as mulheres, são relacionamentos mais baseados na experimentação sexual, cuja comunicação, para família e sociedade, é mais demorada.

Já as mulheres têm, ao oposto, um desenvolvimento dessa sexualidade mais demorado, só que em processo mais afetuoso e íntimo. O que aumenta a chance de comunicar mais facilmente seu relacionamento dentro do seu ciclo social e de ter relações de longa duração.

—O casamento acaba sendo colocado como um desejo para as mulheres desde sempre, na socialização feminina, e para as mulheres lésbicas isso não é diferente. A própria identidade lésbica é construída permeada por esse lugar de afeto, de carinho, de relacionamento, isso pode culminar em vários em mais casamentos. Enquanto um homem gay ou bissexual, mais pela experimentação da sexualidade, demora um tempo maior para comunicar a família e a sociedade — afirma o especialista.

Silva também explica que os momentos políticos impactaram na curva de casamentos homoafetivos na última década. Em 2013, quando a união homoafetiva foi regulamentava, houve uma demanda reprimida sendo reconhecida. Depois, com as ameaças contra a comunidade gay, inclusive com possibilidade de perdas de direitos, durante a gestão de Jair Bolsonaro, houve um novo boom de casamentos, o que também é possível observar nos dados do IBGE.

— A partir de 2018 a gente tem um boom de casamentos, para as pessoas reafirmarem que esse é um direito que elas vão usar como uma plataforma não só burocrática e afetiva, mas também política. O casamento para pessoas do mesmo sexo tem vários significados — diz Silva, que entende que a partir de agora pode começar a manutenção de um padrão de estatística. — Talvez agora comece uma tendência de curva mais ligada ao desenvolvimento de cursos de vida mesmo, e menos um efeito que a gente vinha observando até agora, primeiro pela demanda reprimida e depois no fortalecimento de um lugar político do casamento.

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