Ainda não dá para cravar se Donald Trump imporá mesmo aos produtos brasileiros uma tarifa de importação de 50%, de 20% ou nenhuma, mas não há dúvida sobre o tamanho do estrago do tarifaço na direita nacional. Os primeiros prejudicados foram os Bolsonaros — Jair, cujo processo no Supremo Tribunal Federal (STF) foi usado como pretexto, e It, que pedia sanções contra Alexandre de Moraes e acabou levando à retaliação contra o país inteiro.
Depois do anúncio, ficou sepultada qualquer esperança do ex-presidente de um alívio no processo sobre a trama golpista no Supremo ou da aprovação no Congresso de anistia aos presos do 8 de Janeiro. Eduardo, ao buscar se cacifar como articulador da medida, deu ao STF motivos para processá-lo por obstrução de Justiça — além de demonstrar que seu patriotismo acaba quando começam os interesses da família Bolsonaro. Se voltar ao Brasil, poderá ser preso ou se tornar inelegível.
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que ensaiou apoiar Trump contra Lula — e ainda foi ao Supremo propor a devolução do passaporte a Bolsonaro para ir aos Estados Unidos negociar —, perdeu em um dia todo o trabalho com que tentava convencer a elite empresarial de que, caso venha a ser candidato a presidente em 2026, não será para agir como capacho do ex-chefe.
Ainda que tenha recuado rapidamente para defender os interesses dos empresários e produtores rurais paulistas, principais afetados pelo tarifaço, a reação atabalhoada despertou a suspeita de que lhe falta musculatura para liderar a direita radical, em vez de ser levado a reboque por ela. Terá trabalho para voltar ao ponto em que estava antes de sair correndo para prestar vassalagem a Bolsonaro.
Nada disso, porém, torna a situação de Lula mais confortável. O presidente acertou ao não se expor a um bate-boca com Trump, ao convocar o empresariado para elaborar propostas conjuntas e ao delegar a função de negociador ao vice, Geraldo Alckmin. Mas a patente falta de canais azeitados com o governo americano e a carência de perspectivas de solução mostram que será preciso elaborar um plano B para impedir que os efeitos do tarifaço provoquem graves danos eleitorais.
As pesquisas de opinião divulgadas até agora revelam que, embora a atitude de Trump seja rechaçada pela grande maioria da população, as coisas mudam de figura quando se trata de como reagir. De acordo com a Genial/Quaest, 53% são a favor de aplicar a reciprocidade aos produtos americanos, mas 39% não querem retaliação.
Segundo a Atlas Intel, 44,8% acham que a reação do governo Lula é adequada, enquanto 27,5% a consideram agressiva demais e 25,2% fraca. A Atlas também mostra que aumentou desde novembro a proporção dos que aprovam a política externa de Lula — de 49,6% para 60,2% —, mas quase 40% ainda não a aprovam, e 48% acham que o Brasil está “menos próximo do que deveria” dos Estados Unidos.
Cada pesquisa tem uma metodologia, e os resultados variam conforme o tipo de pergunta que se faz, mas o quadro geral demonstra que Lula só tirará resultados eleitorais relevantes desse imbróglio se conseguir uma saída satisfatória no exíguo prazo de duas semanas, já que em tese as tarifas entram em vigor no início de agosto.
O anúncio da abertura de uma investigação pelo governo Trump por práticas ilegais no comércio levou a uma discreta e cautelosa comemoração no Itamaraty. Mesmo tratando-se de uma geringonça que mira do Pix ao etanol, passando pela leniência com a corrupção e por restrições às big techs, a iniciativa tira a discussão do campo ideológico e a leva ao técnico e econômico, em que ao menos se pode negociar. Sem contar que processos desse tipo levam meses, até anos, o que poderia postergar o desfecho para depois de 2026.
Há, porém, quem ache que a investigação não impediria que Trump aplicasse o tarifaço e ainda poderia servir como forma de retomá-lo caso seja derrubado por alguma das ações em curso na Justiça americana. Se for esse o caso, a iniciativa atestaria que Trump pretende fazer valer seu plano a todo custo, seja à força e imediatamente, seja alegando razões técnicas mais adiante.
Lula precisa se mover rápido e em conjuntura adversa, já que Trump não tem nenhuma vontade de conversar com o líder de um país que responde por apenas 1,3% de suas importações e ainda trabalha, junto aos países do Brics, pela adoção de uma moeda alternativa ao dólar. Questionado sobre o porquê do tarifaço, o presidente americano respondeu “Porque eu posso”.
Com as coisas postas nesses termos, será difícil evitar que Lula também seja afetado pelo strike de Trump.
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