Teólogo critica projeto de lei que proíbe mudanças na Bíblia
Por Gospel Prime Quinta-Feira, 13 de Novembro de 2025
O avanço do Projeto de Lei 4.606/2019, que pretende proibir alterações ou edições no texto da Bíblia, reacendeu o debate entre líderes cristãos e especialistas em teologia sobre os limites da atuação do Estado em questões religiosas. A proposta, de autoria do deputado Pastor Sargento Isidório (Avante-BA), já foi aprovada pela Câmara dos Deputados em 2022 e tramita agora no Senado Federal, sob relatoria do senador Magno Malta (PL-ES).
Na terça-feira (30 de outubro), a Comissão de Educação do Senado realizou uma audiência pública para discutir o tema, convocada pela senadora Damares Alves (Republicanos-DF) após o pedido de instituições religiosas. O texto também já recebeu parecer favorável da Comissão de Direitos Humanos.
Interferência estatal
O teólogo e escritor Gutierres Siqueira, editor-assistente da Sociedade Bíblica do Brasil (SBB), afirmou que o projeto ameaça a liberdade de religião e de tradução bíblica. “O projeto proíbe qualquer alteração no texto bíblico, e isso é perigoso”, advertiu. Para ele, a proposta, embora apresente a intenção de proteger as Escrituras de manipulações ideológicas, abre brechas para o controle estatal sobre a fé.
Siqueira, especialista em interpretação bíblica, destacou que o projeto inviabilizaria a produção de novas traduções, revisões e versões de estudo, além de comprometer iniciativas missionárias voltadas a povos indígenas. “No Brasil, existem cerca de 180 línguas indígenas com traduções da Bíblia. Se qualquer adaptação for proibida, isso impedirá que as Escrituras sejam traduzidas de forma culturalmente adequada”, explicou.
O teólogo também observou que o texto não distingue entre ‘tradução legítima’ e ‘tradução indevida’, o que pode restringir o uso de glossários, notas explicativas e recursos linguísticos modernos. “Se a lei for aprovada, quem vai preservar o texto bíblico será o Estado brasileiro. Vamos criar uma ‘Bíblia estatal’?”, questionou.
Ele acrescentou: “Quem guarda a fé, a Palavra e a doutrina não é o Estado, é a Igreja. A Palavra de Deus foi entregue aos santos e não aos governos. O projeto é vago e representa uma ameaça à liberdade religiosa.”
Reações de pastores
Desde a aprovação do projeto na Câmara, líderes evangélicos expressaram preocupações semelhantes. O pastor Filipe Duque Estrada, conhecido como Lipão, da igreja Onda Dura, afirmou que a proposta abre um precedente perigoso. “Se o Estado pode dizer que não se deve alterar a Bíblia, ele também pode obrigar a alterá-la quando for conveniente. E isso é preocupante”, declarou.
Na mesma linha, o pastor batista Yago Martins criticou o texto por não prever exceções. Ele lembrou que Bíblias infantis e versões resumidas seriam afetadas. “Tenho uma Bíblia que leio para minha filha, com desenhos e paráfrases. Isso é uma alteração no texto — e é algo legítimo”, observou.
Audiência pública
Durante a audiência no Senado, pastores, teólogos e juristas classificaram o projeto como inviável e inconstitucional. O diretor-executivo da Sociedade Bíblica do Brasil, Erní Walter Seibert, ressaltou que a história da Bíblia é marcada por transformações linguísticas e estruturais. “Os textos originais passaram por adaptações ao longo dos séculos — como a inclusão de vogais no hebraico e a numeração de capítulos e versículos”, lembrou.
O pastor Paulo Nunes, representante do Conselho Nacional de Pastores e Líderes Evangélicos Indígenas (Conplei), destacou os impactos sobre as traduções em línguas nativas. “Se a Bíblia é a Palavra de Deus, não precisa da proteção do projeto”, afirmou.
Já o advogado Renato Gugliano Herani, da Igreja Universal do Reino de Deus, argumentou que o texto “tornaria o Estado guardião oficial de um livro sagrado”, o que contraria decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que proíbem a interferência estatal em assuntos de fé.
Liberdade religiosa
Os críticos afirmam que o PL, ao tentar proteger as Escrituras, coloca em risco a autonomia das igrejas e o trabalho de instituições responsáveis pela tradução e divulgação da Bíblia. Para Gutierres Siqueira, a proposta confunde preservação teológica com controle político. “O Estado não é o guardião da Palavra — a fé pertence à comunidade de crentes”, concluiu.
O projeto ainda aguarda votação final no Senado, e líderes religiosos esperam que o debate sobre liberdade religiosa e separação entre Igreja e Estado seja ampliado antes de qualquer deliberação.