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Votação de PL, expansão de milícias, regularização fundiária: os motivos do assassinato de Marielle

Por O Globo    Domingo, 24 de Março de 2024


O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, leu, neste domingo, uma reprodução do relatório da investigação da Polícia Federal sobre a motivação do assassinato da vereadora Marielle Franco. No trecho, os agentes pontuam que o colaborador — o ex-PM Ronnie Lessa — apontou que o segundo trimestre de 2017 foi o período de origem do planejamento da execução da vereadora.

Ele também afirmou que foi nessa época que Chiquinho Brazão demonstrava "descontrolada reação à atuação de Marielle para apertada votação do projeto de Lei à Câmara número 174/2016". Segundo Lessa, a discussão sobre o projeto de lei pode ter sido "o estopim para que fosse decretada a pena capital" da vereadora.

Durante coletiva neste domingo, Lewandowski leu parte do relatório que dizia: "No mesmo sentido, apontam diversos índicios do envolvimento dos Brazão, em especial do Domingos, em atividades criminosas, incluindo as relacionadas com milícias e grilagem de terras. Por fim, ficou designada a divergência no campo político sobre questões de regularização fundiária e defesa do direito de moradia".

— Me parece que de todo o volumoso conteúdo de documentos que recebemos, esse é um trecho extremamente significativo que mostra pelo menos a motivação básica do assassinato da vereadora Marielle Franco. Ela se opunha justamente a esse grupo que, na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, queria regularizar terras para usá-las com fins comerciais, enquanto o grupo da vereadora queria utilizar essas terras para fins sociais, fins de moradia popular — explicou.

Depois da leitura do trecho, Lewandowski afirmou que a PF concluiu quais foram as motivações básicas que levaram ao assassinato:

 

Delação de Lessa explica embate entre os irmãos Brazão e Marielle

 

Segundo o ex-PM Ronnie Lessa, Marielle teria virado vítima por defender a ocupação de terrenos por pessoas de baixa renda e que o processo fosse acompanhado por órgãos como o Instituto de Terras e Cartografia do Estado do Rio (Iterj) e o Núcleo de Terra e Habitação, da Defensoria Pública do Rio.

Os mandantes do assassinato apontados por Lessa buscariam, segundo ele, a regularização de um condomínio inteiro na região de Jacarepaguá, na Zona Oeste da cidade, sem respeitar o critério de área de interesse social, ou seja, o dono tinha renda superior à prevista em lei. O objetivo seria obter o título de propriedade para especulação imobiliária.

Em sua colaboração premiada, Lessa disse que a motivação apareceu durante a primeira reunião com os Irmãos Brazão, por volta de setembro de 2017. Segundo ele, foi nessa ocasião em que "surgiram as primeiras falas sobre a motivação do crime, que dão conta de que a vítima teria sido posta como um obstáculo aos interesses dos irmãos".

Lessa narrou que, sobre esse assunto, Domingos Brazão citou reuniões que a vereadora teria feito com lideranças comunitárias da região das Vargens, na Zona Oeste do Rio, para tratar de questões relativas a loteamentos de ilegais nas áreas de milícia.

O projeto de lei citado pelo Ministro da Justiça tinha como objetivo flexibilizar ainda mais as exigências legais, urbanísticas e ambientais para a regularização dos imóveis. O relatório da PF destaca que o texto favorecia "processos de especulação imobiliária e de grilagem de terras".

Uma testemunha disse à PF que o risco da não aprovação do PLC n.º 174/2016 "teria causado grande insatisfação do vereador Chiquinho Brazão com a bancada do PSOL". Ele teria ficado irritado com Marielle, "que votou contra por entender que o projeto não atendia 'áreas carentes', mas regiões de classe média e alta."

O relatório da PF ainda ressalta uma suposta "animosidade dos Brazão com integrantes do PSOL, apontada por conta de levantamentos de políticos da legenda".

Em depoimento, a testemunha diz que Chiquinho demonstrou "irritação fora do comum e jamais vista". Marielle e Anderson foram executados no dia 14 de março de 2018, mesma data em que foi aprovada de forma simbólica (sem nova análise pelo plenário_ ,a redação final do PLC n.º 174/2016

OS DETALHES DA LEI DE CHIQUINHO BRAZÃO QUE FAVORECIA MILÍCIAS

O projeto de Chiquinho Brazão citado pelo ministro da Justiça se tornou a Lei Complementar 188, posteriormente declarada inconstitucional com efeitos ex- tunc (retroativos) pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça em 2019. Em vários artigos,o texto criava regras para legalização fundiária em todos os 162 bairros do Rio. Na época, Chiquinho presidia a Comissão de Assuntos Urbanos da Câmara de Vereadores,estratégica na análise de propostas de regularização.

'' A prevalecer a lei complementar nº 188, de 11 de maio de 2018, diversas áreas que possuem, inclusive, ocupações irregulares e clandestinas, estariam, do dia para a noite, devidamente regularizadas, o que dificultaria a desocupação'', escreveu a desembargadora relatora do processo, Katya Monnerat.

No acórdão, de setembro de 2019, a desembargadora afirma ainda que da forma que o texto foi redigido também poderia favorecer milícias.

''Vê-se, igualmente, que a malfadada lei protege lotes sequer ocupados, o que seria um incentivo à especulação imobiliária de áreas dominadas por milícias, por exemplo, o que é de curial sabença'', escreveu a desembargadora.

A lei, porém, produziu efeitos por nove meses , de maio de 2018, quando foi promulgada, a fevereiro de 2019, quando uma liminar suspendeu a sua aplicação. Neste domingo, por ser fim de semana,a prefeitura não soube informar se alguma licença foi emitida com base nela.

A versão final da lei é muito diferente do texto original, que foi aprovado em primeira discussão em maio de 2017, que tratava apenas da prorrogação de prazos para legalizar construções em condomínios de Vargem Grande. Mas para isso, os donos tinham que comprovar ser donos das áreas. Dias depois,Chiquinho Brazão apresentou um substitutivo que estendeu os benefícios, que acabou sendo aprovado. O então prefeito Marcelo Crivella chegou a vetar o texto, mas a Câmara derrubou.

O ex-PM ainda narrou que o infiltrado dos mandantes no partido da vereadora — identificado como Laerte Silva de Dilma — teria "sobrevalorizado ou, até mesmo, inventado informações para prestar contas de sua atuação como infiltrado", levando os irmãos Brazão ao "equivocado superdimensionamento das ações políticas de Marielle Franco" na área da Zona Oeste. Nas palavras de Lessa, Laerte poderia ter "enfeitado o pavão".

De acordo com Lessa, a discussão sobre o projeto de lei pode ter sido "o estopim para que fosse decretada a pena capital de Marielle pelos Irmãos Brazão".

Quem mandou matar Marielle Franco?

 

Os irmãos Chiquinho Brazão e Domingos Brazão foram apontados em delação do ex-PM Ronnie Lessa como os mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco — ocorrido em março de 2018 e que vitimou também o motorista Anderson Gomes. — Chiquinho Brazão é deputado federal (União Brasil) e exerceu o cargo de secretário municipal de Ação Comunitária da prefeitura do Rio até fevereiro deste ano, quando pediu exoneração após surgirem os primeiros rumores sobre sua possível participação no crime.

Domingos Brazão iniciou sua carreira política como assessor na Câmara Municipal entre 1993 e 1994. Em 1997 assumiu o primeiro mandato eletivo, como vereador da cidade do Rio, mas ficou apenas dois anos no posto. Eleito deputado estadual, assumiu uma cadeira no Palácio Tiradentes em 1999 onde ficou por 17 anos. Alimentou a expectativa de ser presidente da Assembleia Legislativa (Alerj) até ser escolhido pela Casa para assumir vaga no TCE da qual ficou afastado por seis anos após a operação Quinto do Ouro, quando ele e mais quatro integrantes do tribunal foram presos acusados de corrupção.

As primeiras associações da família Brazão ao caso vieram à tona ainda em 2019, quando um relatório da Polícia Federal (PF) apontou Domingos Brazão como o “principal suspeito de ser autor intelectual” dos assassinatos da vereadora e do motorista. O conselheiro do TCE sempre negou a participação no crime. Ele já havia sido denunciado pela então procuradora-geral da República Raquel Dodge, em 2019, por atrapalhar a investigação, mas a Justiça do Rio rejeitou o pedido. Seu nome passou a ser revisitado também no ano passado com a delação do também ex-PM Élcio de Queiroz, preso em 2018, suspeito de envolvimento no crime.

 

Quem é Rivaldo Barbosa?

 

O delegado Rivaldo Barbosa, um dos suspeitos presos na manhã deste domingo, foi chefe de Polícia Civil durante as investigações do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes, de março a dezembro de 2018. Na época, o Rio estava sob intervenção federal. Foi Rivaldo quem deu o aval para o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE), Domingos Brazão, apontado como mandante do crime, segundo a delação de Ronnie Lessa, assassino confesso de Marielle, que o crime ficaria impune.

Ao todo, estão sendo cumpridos 12 mandados de busca e apreensão, autorizados pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). O delegado Giniton Lages, chefe da Delegacia de Homicídios à época dos crimes, também é alvo de um mandado de busca e apreensão.

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