Falar gritando é um sinal de distância entre as pessoas
Por Deusimar Wanderley - Psicólogo Terça-Feira, 30 de Dezembro de 2025
Segundo alguns estudiosos deste tema, o grito é um reflexo automático do cérebro. Mas, o fato de muitas pessoas falarem muito alto e até gritarem umas com as outras, pode caracterizar um descontrole emocional ou mesmo uma tentativa de camuflar o barulho emocional perturbador que habita o seu interior.
É importante admitir-se que o grito também é uma forma nata de comunicação das espécies. Um bebê, por exemplo, quando nasce não consegue dialogar e ou até mesmo balbuciar uma única sílaba, mas, naturalmente, já nos primeiros momentos fora do útero da mãe consegue chorar e gritar denunciando que está com fome, sono, dor etc.
Para a ciência, as pessoas gritam por uma variedade de razões, desde emoções intensas (medo, raiva, euforia), pela falta de argumentos ou controle emocional, para serem ouvidas em ambientes barulhentos, ou mesmo para impor suas vontades e opiniões.
É fato que em algumas famílias, falar alto e até mesmo gritar é um hábito aprendido e normalizado, sem um motivo emocional específico, e sim apenas como uma forma natural de comunicação. Mas, o grito ecoa mais comumente por razões emocionais e neurológicas. Quando o ser humano detecta uma ameaça real ou mesmo aparente a amígdala cerebral, ligada às emoções como medo e raiva, libera hormônios (adrenalina, cortisol) que preparam o corpo para uma reação, sendo o grito, portanto, parte dessa resposta automática. Também é normal esta reação vocal para expressar angústia, excitação, raiva, dor ou alívio, sendo assim, uma forma não verbal de comunicar sentimentos intensos.
Além dos fatores já citados, outras motivações podem também estar relacionadas a tal comportamento de expressão. Um indivíduo que cresce em um ambiente em que não era ouvido pode usar o grito para tentar chamar atenção, como forma de impor a sua própria voz. É comum algumas pessoas terem o hábito de gritar quando perdem a razão ou argumentos numa discussão, e assim, usam o volume da voz para compensarem a falta de lógica e tentar intimidar ou dominar a situação. Posso citar como exemplo, os gritos que ecoam pelas janelas dos carros no trânsito caótico das grandes cidades, acompanhados de buzinadas insistentes e persistentes. Sem dúvidas, este ato também é uma forma de grito.
Outra justificativa para os gritos, certamente não menos importante, vem dos filósofos. Estes sugerem que gritamos quando estamos aborrecidos porque nossos “corações se afastam”, e o grito tenta cobrir essa distância para que possamos nos ouvir.
É fato, que quando gritamos com alguém, geralmente tal atitude é um símbolo da falta de razão e descontrole. É um desequilíbrio na relação. Em teoria, quem tem razão, pode apenas falar, não precisa gritar. O grito, além de fazer mal a quem grita também provoca geralmente um estrago emocional a quem presencia e escuta. Desta forma, pode-se dizer que, o gritar com as pessoas, pode caracterizar não apenas um desequilíbrio emocional momentâneo, mas também uma violência verbal e até um abuso emocional.
Existe uma parábola muito conhecida de um pensador indiano que, ao explicar sobre “por que gritamos com os outros?”, em resumo diz o seguinte: “o fato é que, quando duas pessoas estão aborrecidas, seus corações se afastam muito. Para cobrir esta distância precisam gritar para poderem escutar-se mutuamente. Quanto mais aborrecidas estiverem, mais forte terão que gritar para ouvir um ao outro, através da grande distância. Por outro lado, o que sucede quando duas pessoas estão enamoradas? Elas não gritam. Falam suavemente. E por quê? Porque seus corações estão muito perto. A distância entre elas é pequena. Às vezes estão tão próximos seus corações, que nem falam, somente sussurram. E quando o amor é mais intenso, não necessitam sequer sussurrar, apenas se olham, e basta. Seus corações se entendem. E assim, conclui o referido pensador: Quando vocês discutirem, não deixem que seus corações se afastem, não digam palavras que os distanciem mais, pois chegará um dia em que a distância será tanta que não mais encontrarão o caminho de volta”.
O que certamente pode-se concluir, sem medo de errar, é que, no modelo social vigente, as pessoas estão sempre apressadas e cheias de afazeres e angústias por não conseguirem cumprir por completo a agenda planejada. Tudo isto as deixa facilmente estressadas e, consequentemente, irritadas. O alvoroço da “correria” do mundo lá fora invade também o interior dos seres humanos, que ficam cheios de barulhos internos, e por vezes jogam esta carga sobre outras pessoas da sua convivência na forma de gritos.
Em resumo dá pra se afirmar que, gritar é um ato complexo que pode vir de um instinto de sobrevivência, uma estratégia de comunicação aprendida, ou uma manifestação de descontrole emocional, refletindo o estado interno e o contexto social da pessoa. Contudo, é pacífico o entendimento dos especialistas que, o gritador descontrolado e crônico revela sempre uma fragilidade psicológica, demonstrando dificuldade de tolerar frustração, tomando tudo como se fosse um ataque pessoal, não sabendo lidar bem com o diferente, com a alteridade.
Portanto, sugiro que aproveitemos o período do novo ano, ocasião em que geralmente as famílias se reúnem, para iniciarmos uma jornada de aproximação entre as pessoas, não apenas física, mas também e principalmente dos seus corações, pois assim sendo, teremos menos gritos e mais silêncio e emoções.
Feliz ano novo a todos!