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Feminicídio no Brasil: o poder que mata antes do tiro

Por Espedito Filho – Professor de Sociologia   Segunda-Feira, 8 de Dezembro de 2025

O Brasil amanhece, dia após dia, com novas estatísticas que mancham o chão de um país supostamente protegido por leis como a Maria da Penha, medidas protetivas e protocolos de segurança. Mas, mesmo rodeadas de normas, milhares de mulheres continuam sendo assassinadas — e mais cruel que a morte é a lógica que a antecede. Vivemos em uma sociedade que, por conveniência ou covardia, tenta justificar o injustificável: “surto”, “patologia”, “perda momentânea do controle”. Enquanto se individualiza o crime, perde-se de vista que o feminicídio é estrutural, enraizado em camadas quase invisíveis que se infiltram no cotidiano como poeira que ninguém percebe, mas que adoece tudo.

Michel Foucault já nos ensinava que o poder não está apenas nos grandes aparelhos do Estado, mas circula de forma microscópica — uma microfísica do poder que opera nos gestos sutis, nos olhares que julgam, nas piadas que diminuem, nos discursos religiosos que silenciam, nas estruturas políticas que naturalizam a desigualdade. O feminicídio não começa no gatilho, nem na facada; ele é elaborado muito antes, numa longa cadeia de violências simbólicas, morais e psicológicas que se acumulam até o corpo não suportar mais. Cada comentário machista “inofensivo”, cada sorriso cúmplice diante de um insulto, cada desculpa forjada para justificar ciúme, controle e submissão — tudo isso constitui o laboratório diário onde a violência se reproduz. O feminicídio é o ápice de um processo que se constrói lentamente, gota a gota, pelos sistemas sociais que insistem em preservar o machismo como hábito, tradição e até virtude.

Pierre Bourdieu nos ajuda a enxergar aquilo que muitas vezes preferimos ignorar: o poder simbólico, transmitido como herança quase genética, educa e molda comportamentos. Ele nasce na família, atravessa a escola, habita a literatura, contamina a política e hoje se espalha de forma avassaladora pelas redes sociais, onde discursos de ódio são consumidos como entretenimento. Quando a misoginia se torna conteúdo e o desrespeito vira tendência, não é surpresa que tantos homens se sintam autorizados a controlar, agredir e, por fim, matar. Num país em que mulheres continuam sendo minoria em acessibilidade, representatividade e direitos efetivos, elas acabam se tornando as vítimas mais expostas aos efeitos desse poder que opera silenciosamente, mas destrói vidas com brutalidade.

Enquanto a sociedade não rearranjar seus próprios fundamentos, nada muda — nem com leis, nem com estatísticas, nem com lágrimas. É preciso romper o ciclo, desnaturalizar o que foi ensinado como destino, desmontar a cultura que insiste em transformar mulheres em alvo. A cada hora que passa, outra mulher grita. Algumas sobrevivem. Outras não. Mas todas carregam no corpo e na alma as marcas de um país que ainda precisa aprender que respeito não se negocia, não se discute, não se adia: se pratica.

E que este texto sirva como alerta, como denúncia, mas também como compromisso — porque o feminicídio não é uma tragédia individual. É o espelho do que ainda somos. E, se não tivermos coragem de quebrá-lo, continuaremos repetindo a mesma história, apenas com novos nomes nas manchetes da manhã.

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