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A Vitória do Invisível

Por Professor Espedito Filho   Terça-Feira, 5 de Agosto de 2025

Na periferia do mundo, às margens das corridas oficiais da vida, um homem pobre, embriagado e de chinelos improvisados cruza a linha de chegada de uma prova de 8 km. Seu nome: Isaque. Sua história: a mesma de milhares de brasileiros que caminham invisíveis pelas ruas, pelas praças, pelos becos e pelos sonhos interrompidos.

A notícia, que viralizou recentemente, mostra muito mais do que um episódio curioso ou um feito excêntrico. É uma metáfora viva da resistência humana, um grito abafado que finalmente escapa da garganta da exclusão. Não é sobre corrida. É sobre sobrevivência.

O Homem Esquecido

Isaque não treinou. Não se inscreveu. Não tinha tênis, uniforme ou patrocinador. Tinha apenas o corpo cansado e embriagado – e uma vontade talvez inconsciente de ir adiante. Como nos ensinou Jean-Paul Sartre, o ser humano é um projeto, um vir-a-ser em construção, mesmo quando este projeto se move sob a sombra da miséria ou sob os efeitos da embriaguez. Isaque não apenas correu: ele existiu. Ele gritou sua presença.

E nesse gesto espontâneo, tropeçado, quase poético, nos fez lembrar que o ser não é apenas aquele que consome, que brilha, que vence pelas regras da meritocracia hipócrita. O ser é aquele que resiste, que mesmo sem lugar, se inscreve no mundo com o suor da sua própria existência.

Para Pierre Bourdieu, o mundo social reproduz estruturas de exclusão através de um “capital” que não é apenas econômico, mas também simbólico, social e cultural. Isaque tem pouco ou nenhum capital. É o arquétipo do “corpo sofrido” que a sociedade escolhe ignorar. Mas ao correr — tropeçando talvez, cambaleando — ele se torna, por um instante, agente de sua própria transformação, desestabilizando a lógica das hierarquias simbólicas.

Ele não ganhou a corrida oficial, mas venceu o maior dos percursos: o do esquecimento social. Num país onde a desigualdade não é só de renda, mas de afeto e de reconhecimento, Isaque se torna símbolo. Não por vencer, mas por se apresentar ao mundo quando o mundo já o havia descartado.

Como educadores, somos desafiados a olhar para além das aparências. Quantos Isaques estão em nossas salas de aula, em nossas comunidades, em nossas ruas? Jovens marcados pela exclusão, pelo álcool, pela ausência paterna, pela fome, pela falta de oportunidades — e, sobretudo, pela falta de olhares que os reconheçam como sujeitos possíveis de transformação.

Ensinar não é apenas transmitir conteúdos. É reconhecer no outro a potência de ser, mesmo quando ele próprio não consegue mais se enxergar. É fazer com que a sala de aula seja o primeiro espaço onde alguém diz: “Eu te vejo”. Porque a invisibilidade é a primeira violência simbólica de uma sociedade desigual.

Isaque é mais que uma notícia. Ele é um lembrete: os excluídos não estão mortos. Estão resistindo. E, por vezes, nos ensinam mais sobre humanidade do que qualquer pódio ou diploma.

Como Sartre nos alertou, “o inferno são os outros” quando escolhemos ignorar. Como educadores, filósofos, cidadãos, não podemos mais ignorar. Precisamos ver, acolher, transformar. E reconhecer que, às vezes, os que mais tropeçam são os que mais têm a ensinar sobre a arte de seguir.
Professor Espedito Filho

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