Com o mercado de trabalho aquecido e os programas sociais reforçados, a pobreza extrema e a desigualdade de renda caíram em 2024 aos menores níveis desde 2012, informou ontem o IBGE. A desigualdade caiu porque o rendimento médio por pessoa cresceu mais fortemente para quem ganha menos, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad-C).
Uma das consequências disso foi uma forte redução na pobreza extrema do país, agora no nível mais baixo desde 2012, início da série histórica. Em dois anos, 6 milhões de pessoas saíram da miséria no país, calcula Marcelo Neri, pesquisador e coordenador do FGV Social.
Na média, o rendimento de todas as fontes por pessoa do domicílio avançou 4,7% ante 2023, para R$ 2.020 por mês, nível recorde desde 2012. No grupo dos 5% da população que ganham menos, em torno de 10,8 milhões de pessoas, a renda saltou 17,6%.
Com isso, a parcela de brasileiros extremamente pobres caiu para 6,8% da população em 2024, o equivalente a 14,7 milhões de pessoas, ante 8,3% em 2023, segundo o Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV Social). Os cálculos, com base nos dados do IBGE, consideram um rendimento médio por pessoa do domicílio de R$ 333 mensais, como linha de extrema pobreza.
— Em 2023 e em 2024, cerca de 6 milhões de pessoas saíram da extrema pobreza — afirmou o coordenador do FGV Social, Marcelo Neri. — O que mais chamou a atenção foi a queda da desigualdade, que foi relativamente acelerada, principalmente porque veio acompanhada de crescimento no rendimento e no PIB per capita.
O Índice de Gini (que mede a desigualdade de renda numa escala de 0 a 1, sendo 0 a igualdade absoluta) do Brasil ficou em 0,506 em 2024, abaixo dos 0,518, registrados tanto em 2022 quanto em 2023. Em 2023, a novidade foi a consolidação do Bolsa Família com um benefício maior, após a majoração de 2022, durante a campanha eleitoral para presidente. Em 2024, transferência de renda e mercado de trabalho atuaram em conjunto.
— Apesar dos importantes programas sociais do governo, que também contribuíram, o rendimento do trabalho, em 2024, foi bastante importante no crescimento do rendimento por todas as fontes e no rendimento domiciliar per capita — afirmou Gustavo Fontes, analista do IBGE.
Neri, do FGV Social, chamou a atenção também para uma interação positiva entre o mercado de trabalho aquecido e o Bolsa Família. Contribui para isso, segundo o pesquisador, a Regra de Proteção. O mecanismo, criado em 2023, permite que beneficiários do Bolsa Família que tenham aumento dos rendimentos até um certo limite possam continuar no programa. O objetivo é evitar que, por receio de ter o benefício cancelado, o beneficiário deixe de procurar um emprego.
No ano passado, 75% das vagas formais abertas no país foram ocupadas por trabalhadores inscritos no Bolsa Família, segundo um levantamento do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), lembrou Neri.
É o caso de Lúcia Medeiros, de 42 anos, mãe solo de três filhos, que ficou desempregada em março de 2024, quando o restaurante onde trabalhava como cozinheira fechou. Desde então, ela vinha se mantendo com o Bolsa Família e alguns bicos, até que, em janeiro deste ano, conseguiu um novo emprego, num restaurante na Zona Norte do Rio:
— O Bolsa Família me ajudou a sair do sufoco quando eu estava desempregada.
Segundo Fontes, do IBGE, a alta na renda do trabalho foi impulsionada tanto pela geração de empregos quanto pela política de reajuste do salário mínimo, mas o peso do aumento do piso salarial na queda da pobreza e da desigualdade é tema controverso entre especialistas. Para alguns, seus efeitos não atingem a base da pirâmide, cujas remunerações ficam abaixo do mínimo.
Bruno Imaizumi, economista da consultoria LCA 4intelligence, classifica como “enorme” o efeito dos aumentos do salário mínimo na alta da renda do trabalho e, assim, na queda da desigualdade:
— A política de valorização do salário mínimo teve papel crucial, pois tem um efeito direto sobre os salários mais baixos, já que muitos trabalhadores têm vínculo direto com o piso, e também é balizador de trabalhos informais. A política também tem um efeito indireto sobre aposentadorias e benefícios sociais, um pesadelo para o equilíbrio das contas do governo, mas bom para renda de pessoas mais pobres.
*Estagiário sob supervisão de Danielle Nogueira
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