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O que levou Moraes a impor tornozeleira a Jair Bolsonaro

Por O Globo    Sábado, 19 de Julho de 2025


Em mais uma frente de investigação que pressiona Jair Bolsonaro, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou ontem que o ex-presidente use tornozeleira eletrônica e proibiu o contato com autoridades estrangeiras e com um dos filhos, o deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP). Os dois são alvo da mesma apuração sobre suposta atuação nos Estados Unidos para coagir integrantes da Corte em troca de perdão pela tentativa de golpe de Estado. Até o fechamento desta edição, os ministros Cristiano ZaninFlávio Dino e Cármen Lúcia, integrantes da Primeira Turma, haviam acompanhado Moraes, formando maioria no colegiado.

Policiais federais estiveram pela manhã na casa de Bolsonaro e na sede do PL, ambas em Brasília. Foram apreendidos o celular, que passará por perícia e terá as mensagens analisadas, um pen drive, que estava escondido no banheiro, além de US$ 14 mil e R$ 8 mil em espécie.

Os agentes acharam ainda a petição inicial da ação que a rede social Rumble apresentou contra Moraes nos EUA. Por determinação da Justiça, Bolsonaro também terá que ficar em casa à noite e nos finais de semana e está proibido de usar redes sociais e de se aproximar de embaixadas e consulados.

A aproximação com os Estados Unidos por meio da troca de mensagens nas redes com o presidente Donald Trump, que vem reforçando ataques ao Judiciário, o envio de R$ 2 milhões a Eduardo e a movimentação do parlamentar nos EUA buscando retaliações a autoridades brasileiras foram usados como argumentos para a operação.

 

Ação ‘dolosa e consciente’

 

Para a Procuradoria-Geral da República (PGR), todo o contexto indicava ainda uma possibilidade de Bolsonaro deixar o país para evitar ser punido, hipótese que foi reforçada, na visão de investigadores, pela apreensão de dólares. O ex-presidente nega qualquer plano de fuga.

“As ações de Jair Messias Bolsonaro demonstram que o réu está atuando dolosa e conscientemente de forma ilícita, conjuntamente com o seu filho Eduardo Nantes Bolsonaro, com a finalidade de tentar submeter o funcionamento do Supremo Tribunal Federal ao crivo de outro Estado estrangeiro, por meio de atos hostis derivados de finalidade de coagir essa Corte no julgamento da AP 2.668/DF”, escreveu Moraes, em referência à ação em que Bolsonaro é réu por liderar uma tentativa de golpe após derrota nas eleições de 2022.

Em entrevista após colocar a tornozeleira, Bolsonaro disse que o objetivo do STF é humilhá-lo e relatou o “sentimento” de que pode ser preso “até o mês que vem”. Seus advogados afirmaram que reagiram com “indignação e surpresa” à “imposição de medidas cautelares severas contra ele, que até o presente momento sempre cumpriu com todas as determinações do Poder Judiciário”. “As graves medidas cautelares foram impostas em função de atos praticados por terceiros, circunstância inédita no direito brasileiro”, completa a nota(leia mais na página 8).

Bolsonaro já é réu por cinco crimes na trama: golpe de Estado; tentativa de abolição violenta do estado democrático de direito; organização criminosa armada; dano qualificado; e deterioração de patrimônio tombado. Agora, Moraes aponta possíveis crimes de coação no curso do processo; obstrução de investigação de infração penal que envolva organização criminosa; e atentado à soberania. Segundo o ministro, o comportamento de Bolsonaro e Eduardo foi “grave e despudorado”.

A aplicação de restrições a Bolsonaro aconteceu no contexto da crise comercial e política que vem se agravando entre Brasil e Estados Unidos. Com o avanço do processo da trama golpista, Eduardo passou a defender abertamente que o governo americano aplique sanções a Moraes e outras autoridades brasileiras, como procurador-geral da República, Paulo Gonet, e o delegado da PF Fabio Shor, à frente de inquéritos que envolvem Bolsonaro e aliados.

Na semana passada, Trump enviou carta a Lula em que, enquanto atacava o Judiciário e defendia Bolsonaro, anunciou tarifa de 50% sobre os produtos brasileiros a partir de 1º de agosto. Eduardo comemorou a medida e afirmou nas redes sociais que foi o responsável pela “intermediação” com o governo dos EUA.

Para Moraes, a imposição de tarifas, cenário que o governo Lula tenta reverter, tem o objetivo de impactar as relações diplomáticas entre Brasil e EUA e criar uma “grave crise econômica” no país com a consequente “pressão política e social” no Judiciário por “interferência” no andamento do processo da trama golpista, cujo julgamento deve ocorrer até setembro. Bolsonaristas também tentam aprovar no Congresso um projeto que anistia envolvidos no 8 de Janeiro e poderia incluir Bolsonaro, mas o andamento, que já era visto como complicado, tornou-se ainda mais improvável com o desdobramento da crise.

A decisão de Moraes lista posts nas redes sociais em que o ex-presidente e, principalmente, o filho defendem os posicionamentos de Trump tentando pressionar o Executivo e o Supremo, o que para o ministro configura ação “atentatória à soberania nacional e à independência” do Judiciário. (leia mais na página 6)

“As condutas de Eduardo Nantes Bolsonaro e Jair Messias Bolsonaro caracterizam claros e expressos atos executórios e flagrantes confissões da prática dos atos criminosos”, completou o magistrado.

Moraes ressaltou que o ápice das condutas ilícitas de Eduardo e Bolsonaro passou a ocorrer a partir das primeiras declarações de Trump com o tom ofensivo às instituições brasileiras, em 7 de julho. De acordo com ele, “imediatamente”, Bolsonaro passou a “instigar seguidores” contra a Justiça. A decisão lembra ainda que o ex-presidente confirmou ter se reunido com o Conselheiro Sênior do Departamento de Estado dos EUA para o Hemisfério Ocidental, mas afirmou que o teor da conversa foi reservado.

“Ao publicar nota em sua rede social, Bolsonaro declarou que ‘o alerta foi dado, e não há mais espaço para omissões’, e complementou com pedido ‘aos Poderes que ajam com urgência’”, ressaltou Moraes.

O ministro disse que na quinta-feira o ex-presidente confessou em entrevista sua “atuação criminosa na extorsão que se pretende contra a Justiça brasileira, condicionando o fim da taxação/sanção à sua própria anistia”.

— Vamos supor que Trump queira anistia. É muito? É muito, se ele pedir isso aí? A anistia é algo privativo do Parlamento. Não tem que ninguém ficar ameaçando tornar inconstitucional — disse Bolsonaro na ocasião.

 

‘Sequestro da economia’

 

A análise das medidas cautelares acontece até a noite de segunda-feira no plenário virtual. Ontem, o ministro Flávio Dino se manifestou em voto apresentado separadamente:

“A coação assume uma forma inédita: o ‘sequestro’ da economia de uma nação, ameaçando empresas e empregos, visando exigir que o Supremo Tribunal Federal pague o ‘resgate’, arquivando um processo judicial”, escreveu o ministro, que classificou o episódio como “absolutamente esdrúxulo”.

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