Uma juíza foi demitida após investigação que apontou que ela usou decisões idênticas em cerca de 2 mil processos, segundo o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Conforme o resultado, Angélica Chamon Layoun, 39 anos, copiou as decisões em casos cíveis para "aumentar a produtividade". Ela atuava na comarca de Cachoeira do Sul.
A demissão foi assinada no último dia 3 pelo desembargador Alberto Delgado Neto, presidente do TJ-RS. A medida foi tomada pelo Órgão Especial do TJ-RS em fevereiro e confirmada em maio deste ano, quando o Processo Administrativo Disciplinar (PAD) transitou em julgado.
Em nota, a defesa de Angélica afirma que contesta a penalidade, que considerou desproporcional. Informa que protocolou um pedido de revisão disciplinar no Conselho Nacional de Justiça, diante da impossibilidade de recurso interno.
Conforme Nilson de Oliveira Rodrigues Filho e Pedro Henrique Ferreira Leite, que representam a juíza, ela foi designada para uma vara cível que estava havia anos sem juiz titular, com grande passivo processual e sem rotinas estruturadas.
"Nesse cenário, buscou corrigir falhas operacionais, reordenar o fluxo processual e promover melhorias administrativas, enfrentando resistências internas que acabaram servindo de catalisador para o processo disciplinar", diz a nota. Leia na íntegra abaixo.
O PAD aponta também que Angélica desarquivou processos já julgados para despachar sentenças idênticas e, com isso, computar "novos julgamentos".
Angélica foi empossada em julho de 2022, mas estava afastada desde setembro de 2023, devido à apuração disciplinar. Ela foi demitida porque ainda estava em estágio probatório.
Ela começou a carreira jurídica em Pernambuco, onde foi juíza por quase seis anos. Após ser aprovada em um novo concurso no Rio Grande do Sul, mudou-se para o estado.
A denúncia de "despachos em massa" teve início quando Angélica tinha um ano na função.
Após o resultado do Processo Administrativo Disciplinar, o advogado da juíza demitida, Nilson de Oliveira Rodrigues, ajuizou um pedido de revisão disciplinar no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por considerar a demissão "desproporcional, juridicamente viciada e carente de prova de dolo ou má-fé, elementos indispensáveis à configuração de falta funcional gravíssima".
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Juíza foi demitida após investigação do judiciário que apontou que ela teria copiado sentenças — Foto: Reprodução/Redes sociais/LinkedIn
O que diz a defesa da magistrada
A defesa manifesta profundo respeito pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, mas discorda veementemente da penalidade imposta à magistrada Angélica Chamon Layoun, por considerá-la desproporcional, juridicamente viciada e carente de prova de dolo ou má-fé, elementos indispensáveis à configuração de falta funcional gravíssima.
Esclarecemos que não cabe recurso interno no âmbito do TJRS. Por essa razão, foi ajuizado Pedido de Revisão Disciplinar no CNJ, onde se discute a proporcionalidade da sanção e vícios de instrução do processo disciplinar.
Por se tratar de processo que tramita sob sigilo, não é possível comentar o conteúdo integral dos autos ou os argumentos apresentados na petição de revisão disciplinar.
Ressalvado esse limite, cumpre esclarecer que a magistrada foi designada para uma vara cível que estava há anos sem juiz titular, com grande passivo processual e uma cultura de autogestão consolidada, sem rotinas estruturadas. Nesse cenário, buscou corrigir falhas operacionais, reordenar o fluxo processual e promover melhorias administrativas, enfrentando resistências internas que acabaram servindo de catalisador para o processo disciplinar.
Além dos desafios próprios de uma unidade desorganizada, a juíza enfrentou dificuldades adicionais decorrentes de discriminação velada, por ser oriunda de outro estado, mulher e mãe de uma criança de três anos à época, diagnosticada com transtorno do espectro autista (TEA).
A conciliação entre os deveres funcionais e o cuidado com uma criança com necessidades especiais representa um desafio adicional que qualquer mãe magistrada pode compreender.
Eventuais equívocos ou falhas operacionais, naturais em estágio probatório e agravados pelas dificuldades de adaptação a sistemas digitais complexos, não podem justificar o rigor da medida disciplinar aplicada.
A Corregedoria-Geral de Justiça deveria ter priorizado medidas pedagógicas e de orientação, e não punições de natureza extrema, especialmente quando não há má-fé, dano às partes ou violação da moralidade.
Este caso suscita reflexões importantes sobre como a magistratura lida com as especificidades enfrentadas por mulheres magistradas, especialmente aquelas que exercem a maternidade simultaneamente à função jurisdicional.
A situação vivenciada pela magistrada Angélica poderia ocorrer com qualquer mulher que enfrente os desafios da dupla jornada profissional e maternal no exercício da magistratura.
A atuação da magistrada foi pautada pela boa-fé, pelo compromisso com o serviço público e pela transparência funcional.
Confia-se que o CNJ saberá avaliar o caso com isenção e profundidade, garantindo o respeito ao devido processo legal, à proporcionalidade da sanção e às garantias da magistratura nacional.
NILSON DE OLIVEIRA RODRIGUES FILHO
OAB/RS 121.624
PEDRO HENRIQUE FERREIRA LEITE
OAB/PR 60.781
ADVOGADOS DA MAGISTRADA ANGÉLICA CHAMON LAYOUN
MEDINA OSÓRIO ADVOGADOS
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