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Governo ganha popularidade com tarifaço e críticas a ricos

Por O Globo    Domingo, 13 de Julho de 2025


Embalado pela defesa da taxação dos ricos em benefício dos mais pobres e da “soberania”, após o tarifaço anunciado pelo presidente dos EUADonald Trump, o governo Lula encontrou um discurso com viés eleitoral e ganhou fôlego no momento em que a baixa popularidade ainda é um entrave e preocupa aliados sob o ponto de vista da reeleição. Parlamentares próximos ao Palácio do Planalto, no entanto, já manifestaram incômodo com a limitação da estratégia. Para esse grupo, o Executivo deveria ampliar o leque de ações e mirar em temas que possam agregar apoios, o que, de acordo com essa visão, fica prejudicado com o acirramento da tática do “nós contra eles”.

O plano governista está em curso desde a derrota no Congresso com a derrubada do decreto que aumentava o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e foi turbinado na semana passada, após Trump enviar a Lula uma carta anunciando uma sobretaxa de 50% aos produtos nacionais, defendendo o ex-presidente Jair Bolsonaro, réu por tentativa de golpe de Estado, e criticando o Judiciário brasileiro.

Nas redes sociais, seara em que frequentemente são derrotados pela oposição, os governistas desta vez foram mais eficazes e superaram os adversários no embate sobre o tarifaço, segundo a consultoria Arquimedes. Simpatizantes de Lula replicaram o tom usado pelo presidente e focaram na “soberania nacional” em reação à ofensiva trumpista. O perfil oficial do governo, por sua vez, lançou uma campanha: “Brasil com S de Soberania”.

— O governo saiu das cordas e está conseguindo unificar o país com o compromisso pela soberania e com setores da economia que exportam e serão prejudicados. Isso consolidou um caminho para retomar a credibilidade — avalia o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE).

A análise é compartilhada pelo Palácio do Planalto, mas auxiliares acreditam que o governo poderia ter mais impulso nas redes se Lula gravasse vídeos focados em usuários das plataformas, como fez poucas vezes desde que voltou à Presidência, há dois anos e meio. A estratégia foi conceder entrevistas a emissoras de televisão e redistribuir o conteúdo no ambiente digital.

Um dos eixos da comunicação é rivalizar com Bolsonaro e tentar colar no opositor a imagem de alguém que está atuando contra os interesses do país — a tática também foi aplicada contra o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que se viu obrigado a ajustar o discurso em meio à crise. Lula fez vinculações diretas entre o ex-presidente e o tarifaço e chegou a dizer que o deputado licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que está nos Estados Unidos, foi “fazer a cabeça” de Trump.

 

 

“É um erro”

 

Antes de a crise com os EUA escalar, uma campanha anterior já havia fornecido um respiro ao Executivo: a taxação da parcela mais rica da população. Nesse tema, o governo também conseguiu uma vitória com a apresentação, pelo deputado Arthur Lira (PP-AL), do texto que isenta de Imposto de Renda quem recebe até R$ 5 mil por mês e taxa em 10% quem ganha mais de R$ 100 mil mensais.

— O debate político saiu das generalidades, encontrou um foco e conseguimos furar a bolha. Houve um freio à oposição e foi aberto um espaço para que o governo tenha uma adesão mais ampla da sociedade — diz o líder do PT no Senado, Rogério Carvalho (SE).

O cerne dessa estratégia digital nasceu fora do governo, entre dirigentes petistas, e foi absorvido pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom) num momento em que se discutia a troca do slogan institucional, abandonando a ideia de reconstrução do país e adotando a justiça social. Peças publicitárias sobre bancos, casas de apostas e grandes fortunas passaram a circular, algumas de forma espontânea, em perfis de apoiadores. Com o passar dos dias, o Planalto abraçou o assunto.

O método, no entanto, não convenceu todos os aliados. Em uma reunião com a bancada do PT na Câmara, a ministra de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, ouviu de deputados a preocupação com o acirramento do discurso. Ela defendeu o enfrentamento, mas teve de lidar com a percepção de que o governo ainda não apresentou uma “saída política” para a tensão, especialmente com o Congresso no caso do IOF. A inquietação é que o discurso que opõe ricos e pobres tenha efeitos colaterais e estreite o caminho eleitoral de Lula.

— A discussão do pobre contra rico é ruim. Essa confusão pode gerar distúrbios imprevisíveis. Funciona para militância, mas pode desorganizar o tecido social — afirma o líder do PDT na Câmara, Mario Heringer (MG).

A avaliação é compartilhada por outros parlamentares de partidos da base, como o senador Otto Alencar Filho (PSD-BA):

— É um grande erro incentivar mais uma briga. As coisas já não estão bem. Os micro e pequenos empresários não estão do lado do governo, e a população está preocupada com a economia. É preciso coragem para fazer reformas, cortar gastos, girar o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e reduzir juros. Esse é o caminho.

Um dos argumentos é que a campanha pode, com o passar das semanas, isolar o governo e aproximar a centro-direita da direita, o que prejudicaria alianças para 2026. Para esses críticos, antes de dar continuidade, a gestão petista precisa definir com clareza seus objetivos: se pretende rachar com partidos como União Brasil e PP ou buscar uma recomposição da base no Congresso.

Articuladores políticos passaram a defender publicamente uma rodada de conversas com as legendas da base. Guimarães chegou a falar em “ajuste geral” e “recomposição de base” após a derrota do IOF, enquanto o ministro da Casa Civil, Rui Costa, afirmou ser a hora de “discutir a relação”. Na prática, porém, essas conversas ainda não começaram.

 

Mudança no PT

 

A tensão, no entanto, é real. O clima no Congresso azedou após a disseminação de vídeos nas redes sociais, muitos feitos com inteligência artificial, atacando o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e outros parlamentares. Um dos vídeos sugeria que Motta “não se importa com o povo” e protege “os privilegiados”. Gleisi teve que ir às redes tentar conter o dano.

Mesmo assim, no núcleo duro do governo, a leitura é que o Planalto deixou a defensiva e finalmente tomou a dianteira com um discurso que unifica a base social e conversa com os indecisos. Pesquisas internas indicaram melhora da avaliação de Lula, como mostrou a colunista Bela Megale. Esse grupo defende manter a linha até 2026.

Entre lideranças do PT, a avaliação é que a nova fase de enfrentamento coincide com um momento de reorganização interna do partido, após a eleição de Edinho Silva para a presidência. Ex-ministro de Lula e ex-prefeito de Araraquara, o petista tem um perfil mais moderado, o que governistas veem como fator importante para evitar que a radicalização da campanha digital contamine alianças fundamentais para 2026.

— A campanha eleitoral começou e foi antecipada. Qualquer estratégia tem risco, o que muda é a direção do risco e sua intensidade. Era a estratégia anterior que estava colocando os governos nas cordas — afirma o deputado federal Jorge Solla (PT-BA).

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