Entenda como o vício em apostas online pode afetar a saúde mental e onde pedir ajuda
Por Thay Alves - Jornal da Paraíba Segunda-Feira, 27 de Outubro de 2025
Por trás das telas e dos palpites certeiros, cresce uma preocupação com os efeitos que a prática das apostas online podem causar na saúde mental. A facilidade de acesso e o crescimento dos incentivos nas plataformas digitais têm exposto cada vez mais pessoas ao risco da ludopatia, um transtorno mental reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Segundo o órgão, aproximadamente 2% da população adulta em todo o mundo deve ser afetada pela ludopatia.
O que é a ludopatia
A ludopatia é o nome dado ao vício em jogos, uma condição em que a pessoa perde o controle e sente necessidade constante de apostar. O transtorno possui classificação médica no Brasil: CID-10 Z72.6 (mania de jogo e apostas) e CID-10 F63.0 (jogo patológico). De 2022 a setembro de 2025, o Sistema Único de Saúde (SUS) registrou 3.892 atendimentos em casos de ludopatia.
De acordo com Rafael Ávila, psicólogo especialista em atendimento a apostadores e pessoas com dependência em apostas, o vício em apostas não é apenas um comportamento repetitivo, mas sim, um processo químico e emocional complexo.
“A cada rodada, o cérebro libera dopamina, o neurotransmissor ligado à sensação de prazer e recompensa. O problema é que o corpo começa a buscar essa descarga química o tempo todo, e a aposta deixa de ser diversão para se tornar uma necessidade”, explicou o psicólogo.
Segundo ele, os efeitos ultrapassam o campo financeiro: “Existem várias consequências dos jogos na vida das pessoas: superendividamento, nome sujo, distanciamento da família. Mas, do ponto de vista psicológico, vemos muita ansiedade, sintomas depressivos, pensamentos de autoextermínio, insônia ou sono excessivo. Muitos perdem a motivação para tarefas simples, se afastam do emprego e dos amigos”.
O psicólogo alerta que o comportamento pode ser percebido aos poucos e familiares e amigos devem estar atentos a mudanças sutis. “Se a pessoa deixou de sair com os amigos, se não desgruda do celular mesmo em momentos de lazer, se está sempre pedindo dinheiro emprestado, mesmo que pague depois, tudo isso são sinais de alerta. Outro indicativo é quando o jogo começa a ter hora marcada, e ela fica irritada antes ou depois de apostar”, orientou.
Os sintomas mais comuns da ludopatia incluem:
- necessidade crescente de apostar quantias maiores;
- irritação ou ansiedade ao tentar parar;
- mentiras para esconder o envolvimento com jogos;
- uso das apostas como forma de escapar de problemas emocionais

Joédson Alves/Agência Brasil
O que diz a lei e como funciona a regulamentação das bets
O governo federal regulamentou o mercado de apostas de quota fixa no Brasil, exigindo que as empresas sigam uma série de regras para operar legalmente. Desde 1º de janeiro de 2025, o país passou a ter um mercado regulado de apostas esportivas e jogos online, medida que busca corrigir falhas estruturais, garantir maior segurança aos apostadores e reduzir riscos como o superendividamento.
Entre as principais exigências estão:
- uso obrigatório do domínio “.bet.br”;
- proibição de crédito e bônus de entrada;
- identificação dos apostadores por CPF e reconhecimento facial;
- controle rigoroso dos fluxos financeiros das plataformas.
A chamada Lei das Bets foi sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em dezembro de 2023. Para obter a licença de funcionamento, as empresas devem pagar R$ 30 milhões ao governo e ter sede e administração no Brasil. A legislação proíbe apostas feitas por menores de 18 anos, agentes públicos ligados à fiscalização do setor, funcionários e donos de empresas de apostas, árbitros, atletas e dirigentes esportivos, além de pessoas diagnosticadas com ludopatia, o vício em jogos. O texto também estabelece regras específicas para cassinos virtuais, limites de publicidade e punições em caso de descumprimento das normas.
Onde buscar ajuda para deixar o vício em apostas online
Quem enfrenta dificuldades para parar de apostar pode procurar ajuda de forma gratuita e acessível, através de serviços especializados como a Associação de Proteção e Apoio ao Jogador (APAJ), organização sem fins lucrativos que atua na prevenção e no tratamento do vício em jogos e apostas.
A psicóloga paraibana Rafaela Porto, uma das responsáveis técnicas pela associação, explica que o projeto começou de forma espontânea, como um grupo de apoio online, e hoje reúne cerca de 1.500 participantes. “A gente faz o acompanhamento diário dos membros, faz manejo de crises, planejamento e psicoeducação para que o pessoal tenha esse apoio pra parar de jogar mesmo. O público-alvo são pessoas que já perceberam que precisam parar, que já estão sofrendo as consequências do jogo problemático ou patológico”, contou.
Com o aumento da procura, a APAJ passou também a desenvolver treinamentos para equipes de casas de apostas, com o objetivo de ensinar as empresas a reconhecer sinais de jogo problemático e agir de forma responsável. Segundo o psicólogo Rafael Ávila, a criação da associação foi uma resposta à demanda crescente de pessoas que não sabiam identificar o vício como uma questão de saúde mental.
“Ainda se falava pouco sobre jogo responsável e sobre os danos que isso pode causar. Muita gente se culpava, achando que era apenas falta de força de vontade, quando na verdade se trata de um problema que precisa de ajuda profissional. Por isso criamos a APAJ, para ser uma alternativa real para quem quer parar de jogar, mas não consegue sozinho”, explicou.
O apoio pode ser solicitado por meio do grupo no Telegram ou pelo site, onde é possível preencher um formulário e entrar na lista de espera para atendimento.
Outros serviços de apoio gratuitos
- CAPS: oferece atendimento gratuito pelo SUS, com acompanhamento psicológico e psiquiátrico. É possível buscar orientação na Unidade de Saúde da Família (USF) do bairro para saber o local de atendimento mais próximo.
- CVV (Centro de Valorização da Vida): atendimento gratuito e confidencial, disponível 24 horas por dia pelo telefone 188 ou pelo site cvv.org.br