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Sexo híbrido: especialistas tentam mapear as relações no Brasil pós-pandemia

Por G1    Quarta-Feira, 12 de Maio de 2021


"O que a gente tem visto em artigos e publicações é uma piora [do sexo] para a imensa maioria. Sexo saudável depende de uma série de elementos. Primeiro, você tem que estar bem, estar seguro, a saúde física e emocional preservada, ou o sexo fica prejudicado. E isso é mais complicado no momento atual", diz Carmita Abdo, psicóloga e sexóloga, em resumo do cenário das relações pós-pandemia.

Segundo ela, já é possível observar uma tendência de aumento para o que vem sendo chamado de relações híbridas, que ocorrem em parte de forma virtual e em parte ao vivo (leia mais abaixo).

No início da quarentena, relata Abdo, estudos demonstraram um maior interesse entre aqueles que já estavam juntos. Com o tempo e o aumento das preocupações, no entanto, o sexo passou a ser ainda mais raro do que antes. Especialistas da área estão começando a mapear as mudanças na atividade sexual do brasileiro dentro das novas condições (e limitações) impostas pela Covid.

Marco Aurélio M. Prado, professor do Programa de Pós-Graduação em psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), coordena o projeto "Sexvid", em parceria com outras universidades do Brasil. Em 2020 foram feitas entrevistas sobre a vida sexual de vários perfis de brasileiros: homens, mulheres, heterossexuais, homossexuais, de diferentes idades, que trabalham em casa ou no escritório.

 

Questionário sobre encontros sexuais

 

A partir do próximo mês, Prado disponibilizará um questionário on-line para conseguir entender os detalhes dos encontros sexuais dos brasileiros.

Segundo ele, o país precisa reconhecer que as pessoas fazem sexo e que irão continuar fazendo durante a pandemia. É papel dos gestores públicos traçar um plano de gestão de risco, ou seja, entender e divulgar qual é a melhor forma de se relacionar com uma política de redução de danos.

O vídeo abaixo, que foi ao ar no Fantástico em julho de 2020, mostra depoimentos de solteiros, médicos e especialistas sobre as práticas sexuais e seus riscos para o contágio de Covid-19 durantes a pandemia.

Com ou sem máscara? Quais os riscos? A vida sexual dos solteiros durante a pandemia

O professor da UFMG observa que os solteiros estão criando regras próprias, tentando estabelecer os limites do que eles consideram seguro e saindo atrás de novos parceiros.

Ele defende uma definição de qual é a melhor forma de fazer sexo – existe alguma forma menos arriscada? Como? A pesquisa irá responder algumas dessas perguntas e tentar buscar dados que podem embasar a melhor estratégia.

Um dos entrevistados da pesquisa declarou que, antes das relações sexuais, pedia para o parceiro tomar banho. Esse tipo de medida perdida, sem fundamento, de acordo com Prado, precisa ser um alerta para a criação de campanhas que expliquem o que realmente pode ser feito para ter um relacionamento minimamente seguro.

 

"A gestão do risco no Brasil já teve uma trajetória longa nos estudos de Aids. Se você retomar um pouco, as pesquisas sobre a Aids foram avançando e elas chegaram em um dado momento em que começaram a focar nessa tal da gestão do risco", diz.

 

"Não é que as pessoas estejam transando e pensando em como evitar o vírus. Na verdade, elas transam sabendo que elas estão transando também com o vírus. É uma vida com o vírus. É o que remete muito aos estudos da Aids", avaliou Prado.

 

Por enquanto, no planeta, poucos países criaram cartilhas e recomendações extensas sobre como fazer sexo na pandemia, entre eles a Holanda. O Instituto Nacional de Saúde Pública do país sugeriu manter "uma bolha" para relacionamentos sexuais.

Ocir Andreata, pós-doutor em Teologia e psicólogo especialista em Sexualidade Humana, declara que "bolha sexual seria você se relacionar com as pessoas bem íntimas que não estão com o vírus. Manter o relacionamento com 1 ou 2 pessoas. Muita gente critica, porque diz que ainda existe risco. Mas de fato estão se encontrando e correndo mais riscos de toda ordem".

 

Relações híbridas

 

A sexóloga Carmita Abdo e Marco Aurélio M. Prado observam em seus consultórios e pesquisas que as relações estão cada vez mais híbridas. Meio on-line, meio ao vivo.

"A gente foi vendo que há um hibridismo, que essa divisão entre virtual e encontro real é muito mais mesclada do que a gente imagina. As pessoas usam aplicativos, usam muita tecnologia para práticas sexuais, mas elas também misturam encontros ao vivo nestas histórias", afirmou o pesquisador Prado.

Abdo diz que pacientes que não pensavam em usar aplicativos agora já implementaram na rotina.

 

"Quem já era adepto, continuou a usar mais e cada vez mais. Quem não tinha outra alternativa, aderiu. O número de pessoas que hoje pratica sexo virtual é muito maior no Brasil e em todo o mundo. Não é a forma preferencial, é a forma possível", disse.

 

Além disso, ela se diz preocupada com a iniciação sexual de jovens adolescentes, efeito colateral da pandemia em tempos de pornografia on-line. Segundo Abdo, começar a fazer sexo apenas virtualmente pode gerar alguns problemas, o que pode mudar a forma de relacionar de toda uma geração.

"O que será dessa geração? Vai mudar [a forma de se relacionar]. A gente já tinha dificuldade com esses garotos. Eles saiam da internet pra vida real, mas não tinham os estímulos tão interessantes quanto a pornografia on-line. A menininha não é aquela coisa toda da atriz pornô do filme", disse a sexóloga. O mesmo vale para as adolescentes: "Elas pensam: 'eu não sou aquilo tudo, não sou gostosa assim'".

"Sabe o que é pior? Não dá pra segurar. O sexo é algo muito mais forte do que milhões de recomendações. A saída mesmo é tentar orientar", completou.

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