Meteoritos que caíram em Santa Filomena (PE) e foram comprados por "caçadores" estrangeiros das mãos de moradores do sertão, que cobravam entre R$ 20 e R$ 40 por grama, agora estão sendo vendidos a até R$ 300 por grama na internet.
As pedras caíram do céu no dia 19 de agosto de 2020. Poucos dias depois, a cidade de 14 mil habitantes viu brotarem pesquisadores e "caçadores de meteoritos" do Brasil e de outros países.
A única pousada da cidade virou "centro comercial", onde meteoritos encontrados por moradores eram vendidos aos estrangeiros. No câmbio que se criou no local, a grama da pedra era negociada primeiro a R$ 20, e depois chegou a R$ 40, contaram moradores ao G1.
Menos de dois meses depois, ao menos dois dos estrangeiros que estiveram em Santa Filomena vendem as pedras na internet por preços entre R$ 100 e R$ 300 por grama.
O maior catálogo é de um norte-americano, Michael Farmer, que oferece pedras no Facebook:
Outro “caçador” porto-riquenho, Raymond Borges, oferece três meteoritos a preços mais variados:
Meteorito que caiu em Santa Filomena (PE) vendido por porto-riquenho na internet — Foto: Reprodução
A peça mais valiosa do porto-riquenho é identificada, em inglês, como “fully crusted”. Isso significa que ela tem intacta uma camada externa, chamada crosta de fusão, o que indica que a pedra é "fresca" e não sofreu intempéries e contaminações do ambiente terrestre.
As peças também podem valer mais por estarem inteiras, sem quebras ou rachaduras e até por sua história de queda. Uma das pedras é exaltada por ter caído perto da igreja e ter ficado “famosa” na cidade.
A pedra foi vendida por Edimar da Costa, estudante de administração de 20 anos. Ele contou ao G1 em agosto que estava em casa quando viu o céu se encher de fumaça e o WhatsApp lotar de mensagens dizendo que tinha chovido pedra.
Edimar saiu para a rua e achou no meio da praça em frente à Igreja Matriz, exatamente no centro da cidade, a pedrinha de 7 cm e 164 gramas. Ele vendeu a Michael por R$ 4990 (R$ 30 por grama), e agora vê anunciada na internet por US$ 4.100 (cerca de R$ 23 mil, quase cinco vezes mais)
"Eu vendi consciente de que iam comprar e vender superfaturado, para ganhar um lucro imenso", diz o estudante ao G1 agora. "Mas infelizmente a gente da cidade não tinha como avaliar nem vender para outra pessoa, não sabia como fazer", ele comenta, resignado.
"Eu não trabalhei por essa pedra, ela só caiu, e uma pessoa me deu dinheiro por ela. Então não fico pensando em quanto podia ter ganhado a mais", afirma Edimar. Ele vai usar o dinheiro que ganhou para ajudar a pagar a faculdade.
Norte-americano oferece para venda pedras que caíram em Pernambuco — Foto: Reprodução
Apesar do assédio dos estrangeiros e de pesquisadores brasileiros, a pedra mais pesada que caiu na cidade, com quase 40 kg, ainda não foi vendida, e continua nas mãos de um morador da cidade que não quer se identificar.
O norte-americano, Michael Farmer, chegou a afirmar ao “Fantástico” (veja vídeo abaixo) que não levou pedras do Brasil para os EUA, mas as fotos da venda no Facebook contradizem a informação.
O G1 entrou em contato com ele e com o porto-riquenho, mas não teve retorno. Eles avisam nos posts que os preços não incluem os valores de envio.
Não há uma legislação específica no Brasil que determine a posse de um meteorito ou que regulamente o seu comércio.
Em Santa Filomena, os meteoritos que caíram em locais públicos, como a Praça da Matriz, ficaram com quem achou primeiro. Os que foram achados perto de casas ficaram com seus proprietários.
Ao contrário de países como Argentina e Austrália, onde há uma regra e os meteoros são bens públicos, o Brasil não tem uma legislação sobre a posse e o comércio de meteoritos.
"Na prática, o Brasil acaba seguindo o padrão da lei americana, que é o seguinte: o meteorito é de posse do dono do local onde ele caiu", explicou o pesquisador da USP Gabriel Gonçalves Silva, que é membro da Bramon, rede brasileira de observação de meteoros.
'Caçadores' dos EUA comemoram compra de pedra das mãos de morador de Santa Filomena — Foto: Reprodução / Fantástico
Alguns pesquisadores locais criticaram a venda das pedras e sugeriram que elas ficassem na cidade para incentivar o turismo, a educação e a ciência no local.
O astrônomo Antônio Carlos Miranda, professor da Universidade Federal Rural de Pernambuco, tem um projeto para desenvolver um polo científico na cidade, que ele descreveu ao podcast O Assunto (ouça).
O prefeito de Santa Filomena, Cleomatson Vasconcelos (PMN) disse ao G1: "O município não tem condições de comprar as pedras e formar um acervo aqui. A cidade é pobre, não temos indústria, quase toda a renda vem do governo federal.”
"O comércio das pedras deixou a população eufórica. E eu não posso falar ‘não vendam’ se não tenho condição de oferecer coisa melhor que os compradores", afirmou o prefeito.
Norte-americano oferece para venda pedras que caíram em Pernambuco — Foto: Reprodução
O ministro de Ciência, Tecnologia e Inovação, Marcos Pontes, disse ao G1 que a chuva de meteoritos chamou atenção do ministério e servirá de exemplo para o país pensar em uma legislação sobre o tema.
"Sabendo que no Brasil existe toda essa insegurança, essa dúvida em relação ao tema, que a gente possa utilizar esse caso [de Santa Filomena] como um exercício para que possamos desenvolver mais conhecimento sobre essa [falta] legislação e, quem sabe, propor uma legislação ou algum tipo de regulação a respeito”, afirmou Marcos Pontes.
Porto-riquenho vende pedras que caíram em Pernambuco e mostra no site de vendas que esteve no local — Foto: Reprodução
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